05 fevereiro 2012

 

Gerrit Komrij

Este é o nome de um poeta holandês que vive em Portugal há perto de trinta anos. Ontem a RTP2 dedicou-lhe um programa de meia hora. Komrij pertence a um grupo alargado de escritores europeus de países do norte que na década de 80 partiram para o sul à procura de outros horizontes (não propriamente das praias...). Muitos foram para o sul de França, para Itália. Este veio para Portugal, com o seu companheiro. Não veio para Lisboa nem para nenhuma cidade. Instalou-se numa aldeia de Trás-os-Montes num solar parcialmente arruinado, onde meteu dezenas de milhar de livros. Não se deu bem com o padre, como é natural, que o acusou e ao companheiro de serem "bruxos" ou mágicos". Teve que mudar-se, foi para as Beiras, também para uma aldeia pequena. Nesta não se dá bem com o presidente da Junta de Freguesia, cuja principal preocupação é mais com os mortos que com os vivos: construir um segundo cemitério numa povoação com noventa habitantes... Acha divertido o cerimonial da igreja católica, as procissões... (Já se sabe que para alguém do norte da Europa a relação com deus, quando existe, é pessoal, direta, não mediada por nenhuma igreja.) Trabalha incansavelmente, tem uma extensa obra literária é considerado um dos primeiros escritores holandeses, colabora periodicamente na respetiva inmprensa, etc. Apesar dos diferendos que tem com a Junta, não pensa sair de Portugal, nem sequer da aldeia. Vai à Holanda de vez em quando, mas quando regressa à aldeia pensa: "Aqui é a minha casa". E tem mesmo a intenção de ser enterrado no cemitério da aldeia, no velho ou no novo... É um privilégio ter um homem destes entre nós. Publicou entretanto uma antologia de poesia de língua neerlandesa do sec. XX chamada "Uma migalha na saia do Universo", Assírio e Alvim. Tem igualmente publicada uma antologia da sua poesia, com o nome de "Contrabando", também na Assírio e Alvim, com tradução de Fernando Venâncio. (Tem também dois livros em prosa que não conheço.) A poesia é sarcástica, ácida, cruel. Tem a ver com um certo surrealismo radical. Quero, portanto, dizer que é uma poesia profundamente humanista. Eu atrevo-me a transcrever um poema, pedindo aqui autorização superveniente ao autor e ao tradutor: "Amor Um sobre o outro, a sarna e o eczema. Escamas estalam em nuvens de caspa. Ela afaga-lhe, terna, o inchado bócio. Os crânios brilham como um diadema. Some-se um dedo em sangrento tumor. Ela baba-se, retorcendo. Um abcesso Rebenta. O bócio mais azul, ele se anima. Rola-a sobrer as costas. Mostra-se senhor. Os gastos quadris entram em loucura. É um rangido aparatoso. Empapam Muco com pus numa orgia sem fim. Ela vomita. É o divino em miniatura."





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