09 maio 2012
André Gide: uma visão de dentro do julgamento
Tenho o gosto de publicar mais um texto do Luís Eloy, com o título em epígrafe da responsabilidade do autor:
É
conhecido o interesse de grandes escritores pelos julgamentos penais.
O
nosso Fernando Pessoa esteve, entre os dias 8 e 10 de Maio de 1930, a assistir, no
tribunal de Santa Clara, ao desenrolar do célebre julgamento de Alves dos Reis.
No entanto, a tradução dessa observação não foi desenvolvida ficando por saber
qual a percepção que teve e as consequências directas dessa experiência na sua
obra.
No
caso de André Gide, filho de um professor de direito romano, a sua vivência
como jurado, em Maio de 1912, na cour d’
assises de Rouen deu origem a uma extraordinária reflexão sobre a justiça
intitulada Souvenirs de la cour d’assises
que se pode ler em edição da folio, de 2009, pelo convidativo preço de 2 euros.
O
seu início é fulgurante: “De tout temps
les tribunaux ont exercé sur moi une fascination irrésistible. En voyage,
quatre choses surtout m’ attirent dans une ville: le jardin public, le marché,
le cimitière et le palais de justice” (…) je ne me persuade point qu’une socíété puísse se passer de tribunaux et
de juges; mais à quel point la justice humaine est chose douteuse et précaire,
c’est ce que, durant douze jours, j’ai pu sentir jusqu’à l’angoisse”.
Ao
longo de 115 páginas podemos avaliar como o este olhar centenário da máquina
judiciária conserva toda a pertinência e actualidade.
Uma
das observações mais acutilantes deste livro lembra-nos que “en général, ici comme ailleurs, la violence
des convictions est en raison de l’inculture et de l’inaptitude à la critique”.
Esta
poderosa interrogação sobre a justiça e o sobre o seu funcionamento devia ser
um livro de leitura e discussão obrigatória na formação de magistrados
substituindo algumas das inutilidades que, a esse nível, são legalmente impingidas
como essenciais.
Luís
Eloy