29 abril 2012
Bom era que nos igualáramos todos
«O maior jugo de um reino, a mais pesada carga de uma república são os
imoderados tributos. Se queremos que sejam leves, se queremos que sejam suaves,
repartam-se por todos. Não há há tributo mais pesado que o da morte, e contudo
todos o pagam, e ninguém se queixa, por que é tributo de todos. Se uns homens
morreram e outros não, quem levara em paciência esta rigorosa pensão da
imortalidade? Mas a mesma razão que a estende, a facilita; e porque não há
privilegiados, não há queixosos. Imitem as resoluções políticas o poder natural
do Criador (…) Se amanhece o sol a todos aquenta; e se chove o céu, a todos
molha. Se toda a luz caíra a uma parte e toda a tempestade a outra, quem a
sofrera?
Mas não sei que injusta condição é a deste elemento grosseiro
em que vivemos, que as mesmas igualdades do céu, em chegando à terra, logo se
desiguala. Chove o cé com aquela desigualdade distributiva que vemos; mas em a
água chegando à terra, os montes ficam enxutos e os vales afogando-se; os
montes escoam o peso da água de si, e toda a força da corrente desce a alagar
os vales.
(…)
Bom era que nos igualáramos todos; mas como se podem igualar
extremos que têm a essência na mesma desigualdade? Quem compõe os três estados
do Reino, é a desigualdade das pessoas. Pois, como se hão-de igualar os três
estados, se são estados porque são desiguais? Como?»
(Padre António Vieira – Sermão
de Santo António – Na festa que fez ao santo na Igreja das Chagas de Lisboa,
aos catorze de Setembro de 1642, tendo-se publicado as cortes para o dia seguinte).