17 setembro 2012
A avaliação do povo
O Governo passou até agora em todas as avaliações da tríade (vulgo: troika), mas chumbou na avaliação do povo. E esta não é menos importante do que aquelas, porque, embora o povo não tenha cheques para passar ao Governo, só ele pode conferir ao Governo um título sem o qual nenhum governo se aguenta: a legitimidade democrática.
É que esta não se restringe à obtenção do mandato governativo ínsito na eleição. A legitimidade pode perder-se pelo caminho, quando se governa contra a grande maioria da população. É claro que governar implica muitas vezes “medidas impopulares”. E o populismo é um dos males das democracias. Não é disso que se trata, porém. Durante cerca de ano e meio acumularam-se medidas que não estavam no programa do Governo, que iam além dos compromissos assumidos no memorando. Durante esse tempo foi sendo aplicado um programa acentuadamente ideológico, uma cartilha forjada pelo liberalismo radical para arrasar todo o património de direitos construído a partir do 25 de Abril. A ideia que nos querem vender é que para um dia sermos, não propriamente ricos (disso não vale a pena ter esperança), mas remediados, temos agora que empobrecer, para sermos “competitivos” internacionalmente. Quanto mais pobres mais competitivos. Os direitos não são para nós, são um luxo dos ricos…
Este discurso pegou até certo ponto porque era evidente a falta de alternativas políticas, a falta programas precisos alternativos, a falta de protagonistas capazes de credibilizarem a mudança. O povo foi “sereno”, foi calmamente perdendo “gorduras”, acumulando cortes sobre cortes nos salários, nas pensões, nos direitos sociais.
Mas há um dia em que uma gota, grande ou pequena, extravasa da vasilha que enche. E nesse dia o protesto rompe e alastra, mesmo que não se perspetivem soluções, mesmo que não haja alternativas claras e organizadas.
Foi o que sucedeu. O Governo foi claramente apanhado de surpresa, convencido como estava que “nós não somos a Grécia…” Convencido que a avaliação da troika bastava para calar a malta. Que a “nota positiva” (mais o cheque) caucionavam e davam alento à continuação do programa ideológico. De repente, em poucos dias, quase em horas, a legitimidade do Governo está em crise. Não a formal. Mas a legitimidade profunda, a legitimidade social. O profundo sentimento de contestação ao Governo que atravessa a sociedade portuguesa, demonstrado nas manifestações do dia 15 (cuja dimensão e genuína espontaneidade é impressionante), confirmado pela unanimidade ou convergência na crítica por uma pluralidade ampla e diversificada de individualidades relevantes e associações da sociedade civil, põe o Governo numa posição frágil. Sem uma base social ampla e forte não se pode governar.
Enfim, vamos esperar para ver qual conta mais: se é a avaliação da troika, se a do povo…