13 outubro 2013

 

A última barreira


Muitas das políticas que têm sido adoptadas não foram sufragadas pelo eleitorado. São tomadas à revelia dos cidadãos e, nisso, há já uma quebra do contrato social suposto pela democracia, uma falha da República, comemorada há dias dentro dum salão, com alguns manifestantes à porta a protestar e polícia em cima deles.

Essas políticas, para além de não terem sido sufragadas, representam uma ruptura com a ordem constitucional e legal. Ainda na quinta-feira passada (dia 10), Manuela Ferreira Leite, afirmava na TVI 24 que há uma tentativa para mudar o paradigma do sistema de segurança social – de contributiva para assistencialista.

E no dia 5 de Outubro, que deixou de ser feriado (mais uma machadada simbólica na República), o secretário de Estado das Comunicações, entrevistado na Antena 1 e interrogado sobre o paradoxo da privatização dos CTT, quando se trata de uma empresa lucrativa, afirmou que era uma questão de princípio do governo, pois o Estado não deve ser titular de empresas, o que significa que há também aqui uma mudança de paradigma, orientada por um prisma ideológico.

Mais: a  ruptura é também com princípios consolidados na ordem jurídica – não só na nossa, como também nas ordens jurídicas que têm a nossa matriz cultural. É o caso do princípio da não retroactividade das leis. Este princípio tem mesmo assento constitucional no que diz respeito a direitos, liberdades e garantias fundamentais, não podendo a lei nova que os restringe ter efeito retroactivo (art. 18.º, n.º 3). Porém, vários diplomas legislativos na forja, à semelhança de alguns outros que já foram “chumbados” pelo Tribunal Constitucional, dispõem para o passado, isto é, abarcam situações criadas anteriormente e cujos efeitos era suposto continuarem a ser regidos pela lei do tempo em que surgiram. É o caso dos cortes de salários na função pública, feitos em nome de uma atamancada convergência entre o sector privado e o sector público, dos cortes de pensões de reforma, e agora também das pensões de sobrevivência, de que tanto se tem falado ultimamente.

É uma aberração.

Claro que uma política destas, para além de não ter a legitimá-la o princípio democrático do sufrágio, ao menos em sentido substancial, também visa subverter princípios essenciais da nossa ordem jurídico-constitucional, de que o princípio da confiança é um esteio imprescindível.

Mas, felizmente, ainda dispomos de uma última barreira democrática onde esbarram as antiquíssimas pretensões de certos estratos sociais de ajustarem contas com a ordem constitucional estabelecida, desta feita servindo-se da “crise” e do poder maioritário que detêm conjunturalmente (agora enfraquecido pelas autárquicas) para o fazerem de golpe e sem recurso às vias previstas, como seria a revisão da lei fundamental por uma maioria qualificada, que nunca tiveram.

Precisamente por a não terem, é que tentam, a todo o transe, com recurso a métodos de constrangimento inimagináveis, vencer essa última barreira, que se chama Tribunal Constitucional.





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