04 junho 2015
Dar é muito bom
Detenho-me diante de
uma frase que ouvi, numa curta entrevista da rádio, a uma senhora voluntária do
Banco Alimentar Contra A Fome. Ela disse, por entre outras expressões de bem
soante auto-satisfação: “Dar é muito bom.”
Questiono-me sobre este
“dar”. O que dão os voluntários do Banco Alimentar Contra A Fome? Dão o que
lhes é dado por muitas pessoas anónimas, tantas vezes, como mostra a
experiência, elas próprias pessoas de fracos recursos, mas mais generosas do
que as que vivem na abundância. Os voluntários são apenas intermediários entre
os ofertantes dos produtos e as pessoas carenciadas deles. Os verdadeiros
dadores são aquelas pessoas anónimas, que permanecem na obscuridade e que não vêm
à ribalta expressar a imensa bondade de dar. Não quer isto dizer que também não
haja da parte dos voluntários do Banco Alimentar uma doação, traduzida no seu
esforço de pedir, recolher e distribuir os produtos ofertados, mas aquela gente
anónima é que realmente dá sem qualquer contrapartida, nem mesmo a do seu ego
satisfeito e amplificado nos meios de comunicação social.
Um outro aspecto a
salientar é este: O que é que significa dar aos mais carenciados os bens mais
básicos de que carecem para a sua sobrevivência? Significa restituir o que, por direito, lhes pertence. O que já era deles; o
que nunca lhes devia faltar, se a sociedade não fosse estruturada na
desigualdade, numa relação fundamentalmente inequitativa entre os seus membros.
Eis por que esta questão é uma verdadeira questão da polis, ou seja de política, e
não de caridade. O que não quer dizer
que eu assista indiferente à miséria alheia e que deixe morrer à fome os que
não têm que comer e, entretanto, precisam do meu auxílio. Tanto mais que assim
calo, temporariamente, a voz que dentro de mim grita o escândalo da sua
indigência.