06 dezembro 2016
Fidel
Tenho
andado arredio do blogue, ultimamente, com motivo justificado ou
alibi confortável: a falta de internet, por avaria. Têm-me passado
temas sobre os quais poderia escrever. Um deles, a morte de Fidel de
Castro. Ao ver a sua urna minúscula (apenas com as cinzas) num
atrelado puxado por um jipe militar, percorrendo o território da
ilha ao longo de uma semana, muitas vezes me ocorreu dizer algo sobre
ele.
E
aqui vai. Nunca fui fã do comandante. O regime que instituiu acabou
por seguir o modelo dominante ou mesmo exclusivo dos países do
chamado socialismo real – o estalinista, caracterizado pelo
monopólio do Partido Comunista, com exclusão de todos os outros
partidos, não só os chamados partidos burgueses, como os partidos
de esquerda e socialistas, e pela supressão de todas as demais
liberdades fundamentais, a começar pela liberdades de reunião, de
manifestação, de pensamento, de expressão e de imprensa
É
certo que Fidel parece beneficiar de uma aura romântica, que lhe
adveio da Sierra Maestra e da forma como incentivou, com Che Guevara,
essa outra figura romântica que se converteu num ícone da geração
de 60, os movimentos de libertação da América Latina; e também
beneficia de uma aura de resistente, pela forma resoluta como
enfrentou as investidas do imperialismo americano, mas tudo isso não
desculpa o sistema totalitário que instituiu. Nem mesmo a Reforma
Agrária, nem os altos níveis conseguidos na educação, no ensino e
na saúde.
O
caso Padilla, só por si, é a condenação de um regime. Quando li,
nos anos setenta, a autocrítica desse poeta cubano, senti uma agonia
mortal. É uma autocrítica miserável de umas dezenas de páginas.
Voltei a lê-las agora e tive o mesmo sentimento. Como se pode fazer
descer um homem até um nível tão baixo, é coisa que dá que
pensar. E como é que um intelectual se inferioriza até àquele
ponto, só pode despertar-nos compaixão e revolta. Um escritor que,
depois de preso, por ter ousado exprimir o que pensava, sai da prisão
expondo os seus monstruosos erros, denunciando outros escritores e
intelectuais que havia defendido, culpando-se masoquistamente e
amaldiçoando as suas próprias ideias, por contra-revolucionárias,
tratando os polícias que o prenderam e torturaram por “os
companheiros da Segurança” e louvando a sua inteligência e alta
compreensão das coisas, eis o que não nos pode deixar de fazer
sentir asco, não por ele, mas pelo regime que foi capaz de produzir
uma tamanha monstruosidade.
Numerosos
intelectuais de renome e insuspeitos quanto à sua filiação
ideológica(ao menos na época em que se manifestaram), como Jean
Paul Sartre, Octávio Paz, Rossana Rossanda, Jorge Semprún, Alberto
Moravia, Margueritte Duras, Mario Vargas Llosa, Juan Goytisolo e
tantos outros escreveram a Fidel de Castro uma carta comedida e
cortês, exprimindo as suas inquietções e declarando-se solidários
com os princípios da Revolução Cubana, e Fidel respondeu-lhes num
discurso tratando-os por “Senhores intelectuais burgueses”, "contra-revolucionários", "agentes da CIA". E
pior do que isso: Padilla viu-se na obrigação (ou foi obrigado) a
responder também numa segunda retratação a dizer que “Cuba não
precisa de vocês”. É abjecto.