25 abril 2020
Pensamentos de um político singular
(Para
que o leitor se ocupe, em tempos de pandemia, a procurar a quem podem
caber estes pensamentos)
Estamos
confinados nas nossas casas, por via de um ser ínfimo e invisível,
que é o coronavírus (do latim corona
- “coroa”), ou seja, o vírus coroado em rei do nosso tempo. É
ele quem manda no nosso destino por estes dias.
Este
vírus faz jus ao seu nome: vira tudo ao contrário. Um rei que nos
manda andar às avessas. Nunca se viu um ser tão minúsculo pôr
toda a gente de quarentena, refugiada com medo dele. Na verdade, ele
despacha muita gente para o cemitério e, para além disso, paralisa
toda a economia.
Mas
será que nós vamos ter que obedecer a um serzinho destes? Ter a
indústria parada?, os transportes imobilizados?, as casas de
comércio fechadas?, os restaurantes sem vivalma?, os cafés e
botequins vazios?, as casas de espectáculos às moscas?, as escolas
sem mestres e sem discípulos?,os céus livres de ruído e de
fumarada?, as estradas libertas dos engarrafamentos e do rebuliço do
quotidiano?, enfim, será que vamos abdicar de tudo aquilo que é
sinal de vida e sangue e luta? Não. Não vamos ter essa atitude,
senhores. Vamos enfrentar esse vírus e dar-lhe uma ensinadela.
Enfrentá-lo como homens de barba rija e de peito feito. Dar cabo
desse reizinho, desse bicharoquinho. Veja-se aquele presidente do
país do samba. Ele tem muita razão, até porque ele é destemido e
foi capitão da tropa. Ele não tem medo do vírus e veio cá para
fora sem máscara nem viseira, pronto a pegar no vírus pelos cornos,
como um touro no redondel (eh, vírus! eh...eh!), exortando o povo a
seguir o seu exemplo.
Ora
aí está! Temos de nos deixar de “mariquices” e voltar a encarar
a vida com firmeza e fortaleza. A vida não é dos fracos, nem dos
impotentes; a vida é sangue e luta; a vida é dos fortes e dos que
arriscam, não dos timoratos, nem dos que ficam pelo caminho. Alguns
cairão doentes, mas isso é próprio de quem vai à luta. Há
perdedores e ganhadores; sempre assim foi e há-de ser.
Dizem
que são os velhinhos os alvos preferenciais do vírus. Pois, se
assim é, deixá-los ir, dando a vez aos jovens e saudáveis. Nestes
reside a força, a coragem, o denodo. E talvez se possa dizer que o
último tributo válido dos velhinhos à continuação da vida seja o
de poderem contribuir para a imunidade geral, de que tanto se tem
falado. Aliás, como disse um governador de um Estado, nos United
States, “os velhos deviam voluntariar-se para morrer”. Isso, por
paradoxal que pareça, é que seria um grande hino à vida,
principalmente da vida daqueles de nós que ainda têm a esperança
de muito tempo pela frente, como provavelmente será o caso do
referido governador.
Por
estes dias temos assistido a um espectáculo deplorável: perdão de
penas e liberdade condicional para os reclusos, a pretexto do vírus.
Isto é inqualificável e bem pode ficar com um nome para a história
vergonhosa das nossas instituições: virulência.
Veja-se o paradoxo: cidadãos honestos sem poderem sair, confinados
em casa, e os criminosos fora das prisões. Bem certo que se diz
deverem els ficar com igual obrigação de retenção em casa, mas
mesmo isso é inadmissível, pois tal equivale a torná-los iguais a
nós, ou seja, a equiparar-se a banditagem ao comportamento ordeiro
dos restantes cidadãos. É este o perigoso igualitarismo que está
em vigor no nosso país. Os nossos governantes aduzem que é por
causa do vírus. Mas então o vírus é o tal reizinho que manda no
país e os nossos governantes são os títeres manobrados pelo
bicharoco, como num teatro de marionetes? Vergonhoso!
Querem
estes cavalheiros celebrar o dia da liberdade! Mas que liberdade,
quando está toda a gente metida de portas adentro? Só se for a
liberdade que pôs os criminosos fora das prisões. A liberdade
indiscriminada dos vendilhões do templo. Temos de nos livrar desta
liberdade que mistura o crime com a vida honesta.
Soltem
mas é a economia, abram o comércio e as indústrias, ponham cá
fora a mão-de-obra, glorifiquem o trabalho. Arbeit
macht frei.
Jonathan
Swift (1667-1745)