14 março 2017
Opinião e treta
O
processo de Sócrates voltou a reacender-se na comunicação social
com o anúncio de diligências finais requeridas pelo Ministério
Público e com a aproximação do termo do prazo sucessivamente
prorrogado para a conclusão do inquérito. Tal foi pretexto para
novas parangonas na imprensa e emissões especiais nos meios
audiovisuais.Uma dessas emissões foi dedicada à opinião dos
ouvintes. Que pensavam estes da imagem da justiça resultante do
tempo, alongado tempo, da duração do inquérito? O bastonário da
Ordem dos Advogados, entrevistado na mesma emissora da rádio e
colocado face ao mesmo problema, tinha afirmado que a justiça “não
saía bem do retrato”. Esse foi o ponto de partida para a audição
dos ouvintes.
Eis
o que penso ser uma iniciativa demagógica favorecedora de um certo
“populismo” em relação à justiça. O que poderiam os ouvintes
dizer sobre tal assunto, desconhecendo em absoluto a realidade do
processo? Pois se mesmo os indivíduos familiarizados com os assuntos
judiciários, incluindo o bastonário da Ordem dos Advogados, mas
fora da situação concreta dos autos, não podem honestamente emitir
uma opinião sobre o caso, como poderiam opinar sobre ele os leigos?
Se me confrontassem com tal caso, eu diria que não saberia
responder, que estava “fora da jogada”.
Foi
ultrapassado o prazo que a lei determina de forma geral para o
inquérito? Foi. Houve prorrogações sucessivas que foram sendo
feitas? Houve. Isso é ilegal? Não. É inadmissível que um processo
de investigação se estenda por tanto tempo? Depende. A imagem da
justiça sai apoucada? Não necessariamente.
Se
há investigações que podem ser levadas a cabo dentro dos prazos
legais, outras há que manifestamente não podem, nomeadamente devido
ao volume e complexidade da matéria sob investigação. Há crimes
de uma engenharia tão complexa, sobretudo na área financeira, de
uma tão meticulosa, quão labiríntica elaboração e, além disso,
tão continuada no tempo e tão disseminada no espaço, que se torna
impossível deslindá-los dentro dos prazos que a lei prescreve. O
caso do processo crismado de “Operação Marquês” parece cair
dentro do âmbito dessa complexidade. A acrescer ao que se disse, há
que ter ainda em conta que muitas das diligências a levar a cabo
dependem de respostas de autoridades estrangeiras (cartas rogatórias)
sobre as quais as autoridades judiciárias nacionais não têm
controle. Como fazer então? Chegar ao termo dos prazos e deixar a
investigção por concluir? Seria essa a boa justiça? Seria essa a
forma de a termos respeitada e com boa imagem?
Ora,
só se saberá se o tempo que foi gasto com a investigação do
referido processo foi desnecessário e se as autoridades judiciárias
que têm mão sobre ele agiram com lassidão,prolixidade,
retardamento ou incúria, depois de se poder analisar o que realmente
se passou dentro dele. Opinar em termos abstractos é opinar no
vazio. É preencher tempo de antena só para se dizer que se discute
um tema actual. Nem tudo pode ser matéria de opinião. Em vez desta,
o que temos normalmente é treta.