09 abril 2017
A interminável questão do segredo de justiça
A
questão do segredo de justiça é a questão eterna que não ata nem
desata; está sempre na mesma. Há dezenas de anos que se debate o
tema, frustrantemente. A comunicação social, de quando em quando,
retoma-o, partindo sempre do zero - “Faz sentido manter o segredo
de justiça, quando ele é diária e flagrantemente violado?” - e,
pior do que isso, pondo-se de fora, como se o caso lhe não dissesse
respeito. Hipocritamente apresentam-se as violações do segredo de
justiça como um problema a que a comunicação social fosse alheia
e um encargo de outros, que não também dela. Se as matérias
cobertas pelo segredo de justiça saltam para as páginas dos jornais
e para as emissões de rádio e televisão é porque alguém, que não
jornalista, onerado com a obrigação de guardar sigilo, faz
revelações que não deveria fazer e possibilita a sua publicação
e divulgação nos meios de comunicação social, os quais,
evidentemente, têm a obrigação de dar à estampa o que chega ao
seu conhecimento. Não se confunda o responsável por essas violações
com o mensageiro, afirmam, como se o tal mensageiro fosse uma
entidade totalmente inocente. Já enfastia ouvir esse argumento do
mensageiro.
A
TSF fez, por estes dias, o seu matinal debate sobre o tema. Claro que
o apresentador enumerou as indesejáveis consequências da quebra do
segredo de justiça, em particular os tão ventilados julgamentos na
comunicação social, com arruinamento do bom nome e presunção de
inocência dos arguidos, mas, sintomaticamente, atirou as
responsabilidades por uma modificação do “statu quo” para os
políticos e os magistrados judiciais. No tocante aos órgão da
comunicação social, nem uma pontinha de responsabilidade recairia
sobre os seus ombros. No entanto, são eles que causam os maiores
danos à reputação, honra e bom nome dos visados e que dão azo ao
total esfrangalhamento da decantada presunção de inocência dos
arguidos. Há quem bata com a língua nos dentes e revele aos
jornalistas matéria do segredo de justiça? Pois há. Mas a
publicação e divulgação, que é da responsabilidade deles e
reverte em proveito das empresas para que trabalham, deve ser
encarada como um mero efeito totalmente desculpável de acções
ilegais de outros? E o assédio que tantas vezes os jornalistas (e se
calhar ultrapassando mesmo, em certos casos, a fronteira do assédio)
fazem para obterem as informações? E os jornalistas que se
constituem assistentes nos processos em que qualquer cidadão se pode
constituir como tal (por ex., nos crimes de corrupção), com o fim
de colherem directamente informação processual?
Acresce
que os órgãos de comunicação social têm a obrigação de
respeitar os direitos ao bom nome, honra e reputação das pessoas
envolvidas nos processos, a presunção de inocência dos arguidos,
bem como a obrigação de não efectuarem julgamentos antecipados ou
paralelos, independentemente de o processo se encontrar ou não
coberto pelo segredo de justiça, pois este está sobretudo
vocacionado para tutelar o interesse da investigação e fazer com
que não se frustre o seu objectivo de consecução da verdade.
Todavia, numa grande parte dos casos, sobretudo nos processos ditos
mediáticos, os órgãos de comunicação social fazem tábua rasa
destes direitos. E fazem-no de uma forma autónoma e
auto-responsabilizante.