15 maio 2017

 

Aplauso para Sobral

Casualmente, na noite de sábado, assisti à última parte do festival da canção. Estava no restaurante quando foi transmitida a actuação de Salvador Sobral. Elevaram o som do aparelho para toda a gente ouvir; depois, voltaram a baixá-lo. Muitas pessoas puseram-se a jeito para o escutarem e, no fim, bateram palmas. Quando cheguei a casa, liguei o televisor, o festival estava ainda a decorrer. Fiquei interessado em saber o resultado do certame, pois fiquei sinceramente agradado com a audição da canção portuguesa. Assisti à votação final do júri e depois à votação dos diversos países. Sofri com as delongas do resultado final e sobretudo com a imprevisibilidade que se ia acentuando com as votações que iam sendo anunciadas. Já mesmo no fim, Portugal foi catapultado para a frente, depois de parecer estar em risco a primeira posição que ocupou durante muito tempo. Vibrei com o resultado, eu que nunca quis saber de festivais do género, a não ser há muitos anos, antes do “25 de Abril”, quando o Ary dos Santos concorria com os seus poemas e fazia declarações que eram tratados de mordacidade e de verrina social e política.
Desta vez, porém, era diferente. A canção cantada por Salvador Sobral e com letra e música da irmã Luísa era mesmo fora do vulgar, desde logo pelo «conteúdo emocional, lírico e melódico», para me servir das próprias palavras do cantor. Uma canção antifestivaleira. Que tenha conseguido ganhar o festival é sinal de bom augúrio, de mudança qualitativa nos gostos do público e de quem valora; ou sinal de que a qualidade acaba por se impor, desde que se tenha a coragem de romper com o amorfismo reinante.

A favor de Salvador Sobral acescento mais dois pontos: as suas lúcidas e corajosas declarações acerca dos refugiados e a sua lucidez relativamente a efémeras consagrações mediáticas e manifestações de massas. “Daqui a dois ou três meses já tudo estará esquecido”,disse ele, “e ainda bem que assim é, porque o que me interessa é continuar a fazer música.”

08 maio 2017

 

Macron


Macron é o presidente da França com 39 anos de idade. Uma carreira fulgurante. A França e a Europa respiraram de alívio. Daqui por diante, porém, é que se vai ver o seu talento para vencer a crise em que está mergulhada a França e contribuir para que a União Europeia saia do plano inclinado por onde tem caminhado. Não é tarefa fácil e ele terá de superar-se a si próprio para alcançar ambos os desígnios. 

05 maio 2017

 

Eleições francesas: alguma dúvida?

Poderá haver alguma dúvida sobre a escolha a fazer nas eleições francesas? A madame Marine não é fascista? Alguma dúvida que é? Entre um fascista e um não fascista, como é o caso, quem se escolhe? Alguma dúvida que se combate sempre o adversário político principal? Foi o que eu aprendi já há muitos anos. Por isso, fico perplexo com as dúvidas de alguma gente de esquerda. Querem facilitar a chegada ao poder de uma fascista? As experiências históricas são elucidativas... Brincar com o fogo é sempre perigoso. Às vezes é preciso engolir sapos ou mesmo elefantes, mas é sempre melhor do que ser depois esmagado pela pata do dito elefante.

03 maio 2017

 

Defesa e justificação de António Costa



António Costa tem sido criticado em vários sectores por causa da tolerância de ponto que resolveu dar aos funcionários públicos no próximo dia 12, dia da chegada do Papa a Portugal, para participar nas cerimónias do dia 13, em Fátima. Para além de razões ligadas ao tema da laicidade, implicando a separação do Estado das várias igrejas ou confissões religiosas, o centenário da 1.ª aparição calha a um sábado, pelo que dar tolerância de ponto na véspera corresponderia a uma deferência excessiva para com o representante máximo da Igreja Católica.
Eu, porém, faço desse acto uma outra leitura, mais conforme ao laicismo que deve orientar as instituições políticas do Estado em geral e do governo em particular. Ei-la. O actual Papa tem-se distinguido pelas suas ideias e pelo seu magistério em matéria social, económica e mesmo política com acento progressista. Ele é conservador e tradicionalista em matérias como a ordenação de mulheres, o aborto, a sexualidade, mas, no que respeita àqueles domínios, tem-se mostrado muito próximo de certas ideias de esquerda. Basta ver as suas posições relativamente à globalização económica, à centralidade do dinheiro e do lucro nas sociedades actuais, à desregulação financeira e laboral, aos excluídos e aos refugiados das guerras que lavram pelo mundo e, em especial, no Médio Oriente, ao ambiente e aos ecossistemas, à exploração de quem trabalha, criticando a ausência de tempos livres necessários para a entrega à família, à educação dos filhos e à realização pessoal de cada um. Leia-se o trabalho de António Marujo no semanário “Expresso” de sábado passado, onde o jornalista se ocupa de uma questão que tem vindo a assoberbar o espírito de católicos e não católicos: será o Papa Francisco de esquerda? – trabalho esse que recorta muitas das afirmações e declarações do Sumo Pontífice, em que este diz, a certo passo, que nunca foi de direita e que até leu textos do Partido Comunista argentino que “contribuíram para a sua formação política”.
Ora, António Costa e o seu governo, ao decretarem a tolerância de ponto no próximo dia 12, não quererão, por certo, quebrar a regra do laicismo que deve estabelecer uma separação nítida entre a esfera do Estado e a do religioso. Não estou a ver António Costa a cair nessa armadilha. De forma que a única explicação que encontro para a referida decisão é a de que se pretendeu homenagear as ideias profanas, laicas e progressistas que o Papa tem vindo a defender. E também, claro, enviar a mensagem de que os católicos não têm de ser necessariamente de direita, como poderia pensar-se, na decorrência de um tão longa tradição lusa (e não só) de colagem da Igreja a posições conservadoras e mesmo reaccionárias. Assim, no seu espírito, o dia 12 seria para homenagear o homem que ocupa a cadeira de S.Pedro, ao passo que o dia 13 seria para as cerimónias na Cova da Iria, essas sim de carácter estritamente religioso e a serem oficiadas pelo Sumo Pontífice.


Daqui se conclui que só há que louvar o espírito de clarividência de António Costa e o seu rigor demarcativo, e juro que, ao contrário do que sucede muitas vezes nos meus escritos, não estou a usar de qualquer processo de ironia.

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