24 outubro 2017

 

A mulher adúltera

O adultério da mulher é naturalmente encarado como um cataclismo pelas sociedades patriarcais. Assim foi também em Portugal. Mas as coisas mudaram, aconteceu o 25 de Abril, data de rutura no sistema político e ordenamento jurídico, e também na sociedade.
Invocar, como faz um acórdão de um tribunal superior agora divulgado, normas jurídicas portuguesas revogadas e obsoletas e ordenamentos jurídicos e religiosos arcaicos para desculpabilizar um ato de violência doméstica "punindo" o adultério da mulher, é absurdo. Não só é absurdo, como revela um desfasamento com o ordenamento constitucional que o 25 de Abril inaugurou: laicização da sociedade, igualdade entre os sexos, liberdade de autodeterminação pessoal, etc.
Quem entende que "o adultério é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem" comunga de uma visão do mundo anacrónica, em que a família e a própria sociedade assenta na honra do "pater familias" e o adultério da mulher é um crime de lesa-majestade, legitimando que o marido por qualquer forma "limpe a sua honra", ainda que de forma brutal. Nessa visão do mundo, o adultério da mulher é necessariamente uma "provocação" ao marido, como aliás estabelecia o art. 372º do CP de 1886, artigo que foi revogado expressamente após o 25 de Abril, ainda antes da aprovação do novo CP, pelo DL nº 262/75, de 3-5. Será preciso lembrar que não são as normas revogadas que vigoram?
E que dizer da expressão: "as mulheres honestas são as primeiras a estigmatizar as adúlteras"? Que é isso de "mulheres honestas"? As adúlteras, isto é, as que violaram o dever de fidelidade conjugal, não são honestas? São delinquentes? Será preciso lembrar também que o adultério não é crime, nem constitui já sequer fundamento expresso para o divórcio litigioso?
Enfim, uma decisão desastrosa, aliás, mais que desastrosa, absolutamente inaceitável no nosso ordenamento jurídico. Não haverá recurso processual, mas alguma coisa terá de acontecer!
É mau de mais para tudo ficar em águas de bacalhau.
Compreende-se o comunicado do CSM, cauteloso mas simultaneamente incisivo, mas não bastará.
Isto não é tolerável!






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