27 junho 2018
Super Trump
(Olhando
a capa da Revista Time
que exibe a foto de uma criança de dois anos diante do presidente
dos USA)
Trump
olha para a criança do alto da sua vastidão incomensurável. A
criança está muito lá para baixo, mal lhe chega aos joelhos, olha
para ele com a cabeça toda inclinada para trás, como se olhasse
para uma torre. Chora, porque perdeu a família na fronteira; a
polícia levou-lhe os parentes e deixou-a a ela só, debulhada em
lágrimas, perdida, desorientada.
Trump
olha para a criança com a cabeça ligeiramente inclinada para baixo,
um sorrisinho forçado estampado no rosto, a longa gravata pendente
do pescoço. Olha para a criança lá muito do alto. Pensa que é o
presidente dum grande país e que não pode inclinar-se demasiado,
muito menos baixar-se. Não quer transmitir a imagem dum avozinho de
sentimentos moles, mas também não quer parecer inteiramente cru.
Tem um sorrisinho de meias tintas. Intimamente, pensa que é o senhor
dum império e que aquela criança vem dum outro mundo, um mundo de
escala ínfima, talvez Liliput. Ele, Trump, poderia esmagar a
criança, como uma formiguinha, debaixo do seu enorme sapatão, mas
seria uma acção demasiado feia para um presidente global, que pode,
se quiser, carregar num botão e limpar da superfície da Terra povos
inteiros. Poderia também, se quisesse, tirar a gravata, desfazer-lhe
o nó e transformá-la em corda com que guindasse a criança até ao
alto da torre onde tem a sua cabeça, mas seria perder a
verticalidade de compostura, metaforicamente falando, embora não
tivesse que dobrar a coluna vertebral até ao sítio onde está o
petiz. Além disso, não entende a língua em que este fala, nem a
língua em que chora. Talvez possa resolver o problema sem ter que
enfrentar estes dramas alienígenas, dramas tão ínfimos, mas que
moem a paciência dum presidente dos States.
A
criança chora, desnorteada, olhando para cima, e sente que lhe falta
uma escada para chegar àquele gigante que não se move, àquela
torre que está infinitamente acima da sua cabecita – a Torre
Trump.