28 novembro 2005
A nova estratégia para as drogas
Anunciada foi na 6ª-feira a nova estratégia em matéria de drogas. Aqui fica uma primeira análise crítica, com base apenas nas notícias dos jornais, retomando aliás as ideias que expus no mesmo congresso do IDT onde a nova estratégia viria a ser apresentada.
De realçar, desde logo, a fidelidade em relação à Estratégia de 1999 quanto à descriminalização do consumo e quanto às políticas de redução de danos. Registam-se as afirmações firmes de João Goulão sobre a necessidade das "salas de injecção assistida". Vamos ver se é desta que se vencem os preconceitos.
É também correcto rever-se a Lei nº 30/2000, a tal que descriminalizou o consumo, e cujo nº 2 do art. 2º conseguiu a notável proeza de permitir quatro (!!!) interpretações jurisprudenciais, não só para resolver esse problema, mas também para, com base na experiência destes anos, conferir maior eficácia às CDT's.
Mas o grande problena não está aí, nos consumidores, nos que são identificados como tal. A minha opinião é muito clara: os consumidores ocasionais não são propriamente um problema. Quanto a estes o que há a fazer é da ordem da prevenção/informação, e nunca da repressão.
E quanto aos toxicodependentes o que é preciso é seduzi-los para a sua integração no sistema de saúde, propor-lhes medidas credíveis e eficazes de redução de danos e apresentar-lhes propostas sérias de reinserção social. Será possível isso através das CDT's? Tenho as maiores dúvidas, porque estas são, quer se queira quer não, um aparelho formal repressivo, embora de natureza específica. E repressão e sedução não rimam (só foneticamente).
Os grandes problemas do regime legal das drogas, a meu ver, são: os consumidores que a lei leva a classificar como traficantes; e o estatuto legal do traficante-consumidor.
A cegueira da lei é tanta, com o seu conceito expansivo de traficante, que leva à inclusão nesse conceito das cedências altruístas, do consumo partilhado, da aquisição em conjunto para o próprio e para terceiros e até da administração de drogas para tirar a dor (lembram-se da enfermeira/abortadeira/traficante da Maia?). O conceito legal de tráfico leva à sistemática confusão entre situações de pequena ou ínfima gravidade com situações de elevada ilicitude. Por outro lado, os requisitos do crime de traficante-consumidor são tão exigentes que a maioria das situações reais são excluídas pelo legislador.
Torna-se, pois, necessário:
1. Reduzir o conceito de tráfico, introduzindo o requisito de intenção lucrativa, retomando assim o conceito do DL nº 420/70.
2. Reduzir, em qualquer caso, a moldura penal do tráfico, ou, pelo menos, o seu limite mínimo.
3. Clarificar os elementos típicos do tráfico de menor gravidade, para o tornar mais abrangente.
4. Reduzir/eliminar/clarificar muitas das qualificativas do tráfico agravado.
5. Ampliar o conceito de traficante-consumidor, de forma que abranja realmente os traficantes-consumidores, ou seja: acabar com o requisito da exclusividade da afectação do "lucro" ao consumo e acabar também com os limites quantitativos, uma vez que a situação de tráfico para consumo se caracteriza necessariamente por um tráfico de pequenas quantidades.
A ideia fundamental, para mim, é esta: reduzir a intervenção penal; ampliar a intervenção sanitária.
É preciso substrair ao sistema penal e penitenciário aquela massa imensa de toxicodependentes que precisam de tratamento (em sentido lato) e não de reclusão/rejeição/exclusão.
É preciso pôr termo ao açambarcamento do sistema policial/judicial/penitenciário pelas drogas. Os recursos, sendo escassos, como não cessam de nos repetir, têm de ser rateados. Há outras áreas a requerer atenção, como a corrupção, não é verdade?
Termino lembrando que muitas das medidas que aqui exponho já foram defendidas no Relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, presidida por Freitas do Amaral, e por Faria Costa na Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3930, pp. 275-280. Acresce que a necessidade de redefinição da figura do traficante-consumidor e a eventual revisão dos elementos do crime de tráfico já estavam na Estratégia de 1999!
A nova estratégia pode ignorar tudo isto?
De realçar, desde logo, a fidelidade em relação à Estratégia de 1999 quanto à descriminalização do consumo e quanto às políticas de redução de danos. Registam-se as afirmações firmes de João Goulão sobre a necessidade das "salas de injecção assistida". Vamos ver se é desta que se vencem os preconceitos.
É também correcto rever-se a Lei nº 30/2000, a tal que descriminalizou o consumo, e cujo nº 2 do art. 2º conseguiu a notável proeza de permitir quatro (!!!) interpretações jurisprudenciais, não só para resolver esse problema, mas também para, com base na experiência destes anos, conferir maior eficácia às CDT's.
Mas o grande problena não está aí, nos consumidores, nos que são identificados como tal. A minha opinião é muito clara: os consumidores ocasionais não são propriamente um problema. Quanto a estes o que há a fazer é da ordem da prevenção/informação, e nunca da repressão.
E quanto aos toxicodependentes o que é preciso é seduzi-los para a sua integração no sistema de saúde, propor-lhes medidas credíveis e eficazes de redução de danos e apresentar-lhes propostas sérias de reinserção social. Será possível isso através das CDT's? Tenho as maiores dúvidas, porque estas são, quer se queira quer não, um aparelho formal repressivo, embora de natureza específica. E repressão e sedução não rimam (só foneticamente).
Os grandes problemas do regime legal das drogas, a meu ver, são: os consumidores que a lei leva a classificar como traficantes; e o estatuto legal do traficante-consumidor.
A cegueira da lei é tanta, com o seu conceito expansivo de traficante, que leva à inclusão nesse conceito das cedências altruístas, do consumo partilhado, da aquisição em conjunto para o próprio e para terceiros e até da administração de drogas para tirar a dor (lembram-se da enfermeira/abortadeira/traficante da Maia?). O conceito legal de tráfico leva à sistemática confusão entre situações de pequena ou ínfima gravidade com situações de elevada ilicitude. Por outro lado, os requisitos do crime de traficante-consumidor são tão exigentes que a maioria das situações reais são excluídas pelo legislador.
Torna-se, pois, necessário:
1. Reduzir o conceito de tráfico, introduzindo o requisito de intenção lucrativa, retomando assim o conceito do DL nº 420/70.
2. Reduzir, em qualquer caso, a moldura penal do tráfico, ou, pelo menos, o seu limite mínimo.
3. Clarificar os elementos típicos do tráfico de menor gravidade, para o tornar mais abrangente.
4. Reduzir/eliminar/clarificar muitas das qualificativas do tráfico agravado.
5. Ampliar o conceito de traficante-consumidor, de forma que abranja realmente os traficantes-consumidores, ou seja: acabar com o requisito da exclusividade da afectação do "lucro" ao consumo e acabar também com os limites quantitativos, uma vez que a situação de tráfico para consumo se caracteriza necessariamente por um tráfico de pequenas quantidades.
A ideia fundamental, para mim, é esta: reduzir a intervenção penal; ampliar a intervenção sanitária.
É preciso substrair ao sistema penal e penitenciário aquela massa imensa de toxicodependentes que precisam de tratamento (em sentido lato) e não de reclusão/rejeição/exclusão.
É preciso pôr termo ao açambarcamento do sistema policial/judicial/penitenciário pelas drogas. Os recursos, sendo escassos, como não cessam de nos repetir, têm de ser rateados. Há outras áreas a requerer atenção, como a corrupção, não é verdade?
Termino lembrando que muitas das medidas que aqui exponho já foram defendidas no Relatório da Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional, presidida por Freitas do Amaral, e por Faria Costa na Revista de Legislação e de Jurisprudência, nº 3930, pp. 275-280. Acresce que a necessidade de redefinição da figura do traficante-consumidor e a eventual revisão dos elementos do crime de tráfico já estavam na Estratégia de 1999!
A nova estratégia pode ignorar tudo isto?