17 novembro 2005
Novo quadro para a política criminal (1) - Entre o que se pretende alterar e o que se impõe discutir
A conclusão do anteprojecto da proposta de Lei Quadro da Política Criminal foi a semana passada anunciada na generalidade dos órgãos de comunicação social, embora o respectivo conteúdo não conste ainda no sítio do Ministério da Justiça (apesar de divulgado sem qualquer solicitação de sigilo a um cada vez mais alargado universo de privilegiados). Este constitui manifestamente um tema cuja análise não pode ser reservada aos corredores de instâncias burocráticas (velhas ou novas) ou às páginas de circunspectas e reservadas revistas jurídicas, em especial quando a experiência recente em sede de política criminal tem sido o de rápida aprovação de novos quadros legais (cuja eficácia, além do mais, não tem sido a posteriori avaliada para efeito das decantadas responsabilidades políticas: de definição e de execução da lei).
O objectivo da proposta de lei em avançado estado de concepção, é revelado no programa de governo sob a epígrafe «Tornar mais eficaz o combate ao crime e a justiça penal, respeitando as garantias de defesa» pois aí anuncia-se que: «No plano da política criminal, a Assembleia da República, sob iniciativa do Governo, passará a prever periodicamente, de forma geral e abstracta, as prioridades da política de investigação criminal, bem como as responsabilidades de execução dessa política, nomeadamente no que respeita ao Ministério Público, com base num novo quadro legislativo específico de desenvolvimento do artigo 219.º da Constituição».
À primeira vista parece que a opção programática do Governo em sede de «política criminal» passa pela definição de um novo quadro procedimental de alargamento: a) do espectro da acção governamental (e não do Parlamento que, por força da Constituição, tem a competência decisória mas que novo modelo passaria a estar dependente da iniciativa governamental), enquanto entidade com exclusividade para a iniciativa de definição infra-legal e legal da política criminal, e b) de responsabilidade do Ministério Público pelo cumprimento do que lhe é definido (embora essa centralidade de responsabilidade na execução da política criminal não pareça compreender um alargamento de competências).
De qualquer modo, no actual momento e acima de tudo, sejam quais forem os desígnios imediatos e o efectivo desenvolvimento do processo em curso, este anúncio constitui uma interpelação incontornável para se discutir a política criminal, em particular os actores estaduais e a repartição de funções e responsabilidades (quer na definição legal e infra-legal quer na execução).
Discussão que deve ser independente dos horizontes colocados na mesa pela iniciativa governamental, abrangendo de uma forma global o quadro de definição e execução de política criminal e os respectivos responsáveis, que no nosso contexto constitucional são a Assembleia da República, o Governo, os Tribunais e o Ministério Público. A clarificação das suas funções e meios constitui ainda uma oportunidade para se tentar efectivar o respectivo escrutínio, algo que tem sido dificultado pela muita poeira que frequentemente se levanta, nomeadamente na leitura do modelo constitucional.