31 janeiro 2006
Direito penal v. clientela da prostituição
Porém, como se reconhece hoje em dia, a missão do direito penal é proteger, de forma fragmentária, o bem jurídico da liberdade e da autodeterminação sexual, isto é, proteger este específico bem jurídico pessoal apenas dos ataques mais graves, intoleráveis e perigosos.
Estando em causa o «desenvolvimento da vida sexual» do menor, compreende-se a criação de um tipo legal que puna o cliente da prostituição de menores, tal como sucede, por exemplo, em Espanha, Dinamarca, Itália ou França (ver, aliás, artigo 2-c) ii) da Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, de 22/12/2003, JO L 13 de 20/1/2004, pp. 0044-0048).
Mas, no que toca à sexualidade dos adultos (no pleno gozo de todas as suas capacidades), a intervenção do direito penal só se justifica quando, de forma grave e intolerável (v.g. situações de coacção), for posta em causa a liberdade sexual, enquanto valor eminentemente pessoal e não enquanto valor transpessoal (o que se protege é o indivíduo e não a sociedade e as suas valorações).
Ou seja, a opção pela criação de um tipo legal que puna o cliente da prostituição de maiores é incompatível com a moderna concepção do direito penal num Estado de direito material, democrático e laico, orientado pelo pluralismo, pela tolerância e pelo seu carácter liberal.
Terá de ser através de meios não penais (v.g. políticas educativas, económicas, sociais e de emprego que permitam reduzir a pobreza e a exclusão social, promovendo os direitos humanos) que o Estado deverá combater dramas sociais que a todos preocupam.
O Estado não pode, na falta de execução de políticas sociais, enveredar pela via da criminalização excessiva.
Como diz Lüttger (cit. por Costa Andrade, “Direito Penal e modernas técnicas biomédicas”, RDE, XII, 1986, p. 102), «o direito penal tem de deixar de valer como instância moral do cidadão ou de representar qualquer mínimo ético».