17 agosto 2006

 

O gosto dos outros







Existe uma tendência de ridicularizar aquela que é a american way of life e nessa tendência vai também incutida a de menosprezo por aquela que é a maneira de ser dos estado-unidenses e os valores que por si são defendidos. Tomando-se o todo pela parte são caracterizados, ou melhor caricaturizados, como incultos, arrogantes, obesos. Contrapõe-se as mais das vezes o facto de terem pouco mais de 300 anos de história, em comparação com a milenar história europeia, para sustentar a tese da supremacia europeia a nível cultural e não há discussão sobre os US of A que não refira o hamburguer, a Coca-cola, os filmes de Hollywood como aspectos (negativos?) da sua cultura e que (infelizmente?) se foram introduzindo na nossa Europa.
A propósito de um tema em que se dirá que as diferenças culturais entre os dois lados do atlântico são abissais – a privacidade – um professor americano, James Q. Whitman, neste estudo, resume em algumas palavras aquilo que nos separa e a forma como eles – os americanos – nos vêem a nós – europeus.
Para os europeus uma das provas de que os americanos não compreendem e não preservam as exigências de privacidade será a forma como estes facilmente falam sobre si mesmos, duma forma inimaginável para qualquer europeu, sempre tão reservados e com regras de etiqueta rígidas (como já aflorei aqui). Mas as diferenças, incompreendidas por nós europeus, passa também pela diferença de regulamentação da vida jurídica desde a protecção de dados dos consumidores, passando pela privacidade no local de trabalho e acabando na preservação da identidade daqueles que se vêm a contas com a justiça (só para apresentar dois exemplos quais as nossas reacções a estas duas realidades - (1) e (2) - tão americanas?).

Esquecemo-nos, porém, que também os americanos são espectadores, reflectem sobre os outros e, consequentemente, que formam opinião.
Diz o autor “quando se trata de privacidade, existem muitas práticas europeias que parecem intuitivamente reprováveis para os americanos. (...) se para os europeus ainda permanece um mistério a forma rude como os americanos casualmente falam sobre si próprios, os americanos questionam-se sobre a forma rude como os europeus tiram casualmente a sua roupa. (...) Mas mais uma vez não é só uma questão de normas do comportamento diário; é uma questão de direito. Existem numerosos aspectos do direito europeu que podem parecer não só ridículos, mas também chocantes para os americanos.” E apresenta como exemplo a autoridade que se concede às instituições públicas para decidir que nomes dar aos filhos (v. por exemplo o artigo 103º do Código do Registo Civil e esta decisão do Supremo Tribunal de Justiça*), continuando ainda com comparações entre os poderes concedidos às polícias e as escutas telefónicas que são realizadas nos dois lados do atlântico.
E acaba, nas palavras introdutórias, perguntando: “What kind of “privacy” is there, Americans will ask, in countries where people prance around naked out of doors while allowing the state to keep tabs on their whereabouts, convict them on the basis of unfair police investigations, peer into their living rooms, tap their phones, and even dictate what names they can give to their babies?”
Resposta a esta pergunta não a dá, afinal nem é esse o objectivo. Conclui então que "What we must acknowledge, instead, is that there are, on the two sides of the Atlantic, two different cultures of privacy, which are home to different intuitive sensibilities, and which have produced two significantly different laws of privacy."

Mais do que as conclusões e reflexões jurídicas empreendidas em tal estudo (cuja leitura visa um objectivo completamente diferente deste que agora empreendo), a sua leitura despertou em mim a curiosidade de saber como somos vistos de fora (pretensão minha, porque o estudo refere-se unicamente à França e à Alemanha) e cuja oportunidade me foi dada pelas temperaturas anormais para este mês de Agosto.
Se não podemos julgar - americanos ou quem quer que seja - imbuídos daquela que é a nossa cultura, as nossas intuições, também não podemos ser julgados à luz de concepções diversas. Mas, podemos fazer um esforço de nos despirmos (por mais que isso chateie os americanos) de pré-conceitos e olhar para o lado, pois se é verdade que alguns maus exemplos (na nossa concepção) existem nos EUA, também é verdade que - e por mim falo - ao nível da discussão poderemos ter algo a aprender com os nossos fellow americans.
Mas agora como estou a falar de algo completamente diferente e este post já vai longo, fica para outra ocasião.

* A propósito dos nomes dos portugueses este estudo espelha as interrogações e respostas de um linguista.





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