30 novembro 2006

 

Instalações de consumo apoiado para a recuperação

O nome é arrevezado, mas pretende ser aquilo que os jornalistas insistem em chamar "salas de chuto", nome impróprio uma vez que não são recintos para praticar futebol.
Certo é que ontem a Câmara Municipal de Lisboa aprovou a sua criação (duas unidades) e essa decisão é sem dúvida um marco importante e, espera-se, irreversível na abordagem do fenómeno da toxicodependência em Portugal, primeiro rombo nos tabus que têm dificultado a implantação de uma política global de redução de danos.
No entanto, apesar dessa importância, a deliberação da CML levanta dúvidas e preocupações. Parece, na verdade, e o nome dado às ditas instalações reflecte-o, que a CML se quer afastar da motivação que presidiu à previsão de "programas de consumo vigiado" por parte do DL 183/2001, de 21-6, e dar à iniciativa uma perspectiva mais de "motivação para o tratamento" do que de redução de danos. Mais: parece que a CML julga que não é necessário estabelecer qualquer articulação com o IDT.
Ora, há aqui uma série de equívocos. Em primeiro lugar, a CML não poderá implementar programas de consumo vigiado sem autorização do IDT: é o que está determinado pelo art. 66º, nº 2 do citado DL. A iniciativa é das câmaras, mas a autorização é do IDT.
Por outro lado, os programas de consumo vigiado previstos nesse diploma não se circunscrevem à permissão do consumo, pois também devem incluir medidas de "promoção da proximidade com os consumidores, de acordo com o respectivo contexto sócio-cultural, com vista à sensibilização e encaminhamento para tratamento", segundo reza o art. 65º do mesmo DL.
A "preocupação" enunciada pela CML quanto à "motivação para o tratamento" só pode, pois, significar uma de duas: ou que a CML desconhece a lei (e daí talvez também desconhecer que é necessária a autorização do IDT) ou que quer dar uma maior ênfase à tal "motivação para o tratamento". E isso pode ser perigoso. Porque muita motivação, muita pregação, muita moralidade junto dos toxicodependentes só pode levar ao afastamento à partida de muitos deles, quando o que se pretende é precisamente chamá-los, ligá-los aos sistemas estatais de saúde, de segurança social, de promoção de emprego.
Enfim, para já, o que a CML tem a fazer é ler a lei. É sempre bom para os governantes fazê-lo. Porque ter a maioria não basta. É preciso governar dentro do quadro legal.





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