23 novembro 2006

 

Passeio ou manifestação?

Esta a magna questão que põe o "evento" hoje ocorrido no Rossio. Umas centenas de militares juntaram-se em pequenos grupos, cumprimentaram-se, circularam, cumprimentaram os mesmos e outros entretanto chegados, alguns falaram para as TV's, continuaram a circular, pelos passeios, sem perturbarem o trânsito, sem provocarem qualquer alteração ao pacato fim de tarde naquela praça. Entretanto uma comissão de militares fazia nas redondezas uma improvisada conferência de imprensa, dando conta dos motivos de queixa que têm do Governo.
Será esse comportamento ilegal? Admitindo que aos militares é vedado realizarem manifestações, será aquele evento uma manifestação?
"Manifestação", em sentido normal, ou mesmo em sentido "técnico", parece não ser. Vejamos: uma manifestação é uma aglomeração de pessoas reunidas em torno de um objectivo comum, geralmente de protesto, mas também de apoio, que frontalmente proclamam a sua adesão a esse objectivo. A manifestação não esconde nunca o que pretende expressar. E fá-lo geralmente com o maior aparato possível, de forma a espalhar com a maior eficácia a "mensagem" que pretende transmitir. Por isso, as manifestações são quase sempre nas vias públicas. E daí a imposição legal de comunicação prévia às autoridades, que se destina a que estas adoptem as medidas adequadas à regulação do trânsito e à manutenção da ordem pública. Mas essa comunicação, sublinhe-se, não é um pedido de autorização!
A manifestação não é, porém, a única forma de protesto público. Uma que há muito é utilizada em Portugal é a vigília à porta de edifícios públicos, geralmente praticada por um grupo reduzido de pessoas, que se mantêm no local até conseguirem ser recebidos e assim entregarem a sua mensagem. É óbvio que as vigílias não são ilegais, nem mesmo quando não precedidas, como é habitual, da comunicação prévia às autoridades.
Outras formas de protesto podem ser concebidas. É uma questão de imaginação. E a necessidade aguça o engenho, já o sabemos. Os militares escolheram para hoje uma forma de protesto original, que não se enquadra na proibição legal que lhes é imposta. Eles não se manifestaram: exteriorizaram um protesto de uma forma subtil, não precisando de gritar, nem sequer de exprimir, esse protesto. Este comportamento não é uma manifestação, nem em sentido comum, nem em sentido jurídico.
As restrições aos direito fundamentais, como o direito de manifestação, não podem ser interpretadas extensivamente. Ora, só por via desse tipo de interpretação seria possível enquadrar o evento de hoje numa manifestação, considerando-a, por exemplo, uma manifestação "encapotada". Mas tal não existe. Só há manifestações descapotadas!
Assim, à pergunta do título, respondo: passeio, inalienável direito do cidadão.





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