03 dezembro 2006

 

O ovo de Colombo lusitano

Somos, como se sabe, um país grandemente importador de bens essenciais. Mas não só. Também importamos com grande presteza ideias e modelos de outros povos avançados. Esta importação político-cultural tem sido incrementada nos últimos tempos, talvez devido ao influxo modernizador que nos leva a imitarmos, com um zelo meticuloso, o que os outros têm de mais saliente.
Assim é que já se anunciou publicamente que vamos importar da Dinamarca (os países nórdicos estão muito em voga entre nós) o regime da chamada flexisegurança. Um regime deveras avançado que se traduz em perder ou, pelo menos, renunciar a determinadas vantagens para ganhar outras em compensação. Isto no que toca às relações laborais, como é evidente, porque é por aí que todos os avanços se insinuam. Por exemplo: um trabalhador que renuncie a um aumento de salário pode vir a adquirir vantagens no campo da estabilidade do emprego. O ovo de Colombo, não é?
A este propósito, ouvi uma professora de ciências sociais alertar para os perigos de uma tal importação, porque a nossa sociedade é completamente diferente da dinamarquesa e se a flexisegurança encaixará bem nesta, na nossa pode ser um desastre. Ora, e se tal desastre viesse a acontecer, isso ser-nos-ia imputável? Não se poderia então objectar, como aquela personagem de “Hamlet”: “Há qualquer coisa podre no reino da Dinamarca”?
Outra das novidades que se pretende importar é a já célebre do “procurador especial”. Desta vez, a novidade a transplantar não vem de um país nórdico, mas da sólida democracia americana. O caso foi suscitado por Camarate. O inquérito parlamentar que concluiu pela existência de crime não teve eco nas autoridades judiciárias, mormente no Ministério Público? Ora, recorre-se a um “procurador especial”, que se encarregará de exercer a acção penal em casos que tais. Se a figura existe nos Estados Unidos da América, por que não há-de ser enxertada no nosso sistema? Mais uma vez o ovo de Colombo, não é?
Há quem objecte: “Cuidado! O nosso sistema não tem nada a ver com o americano. A importação da figura pode representar um entorse dos princípios que nos regem em matéria constitucional e processual penal”. Ora!, mas por que não meter a martelo no nosso sistema a figura do “procurador especial” com o argumento daquela personagem do “Retrato de Dorian Gray”, segundo o qual “os americanos não conhecem a tolice”?





<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?


Estatísticas (desde 30/11/2005)