22 janeiro 2008

 

Página de auto-reflexão

Todas as profissões têm a sua rotina, que, se favorece a execução das tarefas, também é, muitas vezes, entravadora das soluções mais justas. A rotina dos juízes é despachar processos. Ver-se livre dos processos é um objectivo que se sobrepõe a qualquer outro, se se não tem uma consciência sempre alerta. Quero eu dizer: alhear-se dos concretos problemas humanos que subjazem aos processos, passando-se a encarar estes como um fim em si.
Perante um caso complicado (e complicado, na minha linguagem, não significa necessariamente um processo de complexa solução, mas um processo que contém um problema humano melindroso para resolver, e quase sempre é esse o problema da aplicação das penas (e cá estou eu a falar de processos penais, que é a minha área; os outros processos não terão problemas de tanto melindre) não há nenhum juiz que não tenha a tentação (a humaníssima tentação) de enveredar pelo caminho mais fácil, que é o de evitar os escolhos que uma solução materialmente mais justa (isto é, mais adaptada à singularidade do caso) tantas vezes oferece. É preciso conservar a capacidade para sentir um rebate de consciência e para resistir a esse caminho da facilidade ou da rotina, como se lhe queira chamar, e fazer um esforço para contrariar essa tendência, que no fundo é também a insensibilidade perante o sofrimento alheio que qualquer prática profissional que lide com problemas humanos acaba por gerar, seja a dos médicos em relação à doença e à morte, seja a dos juízes em relação às restrições de liberdade e ao encarceramento. Porém, os juízes não existem para resolver processos (muito menos matá-los), mas para resolver situações.





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