17 novembro 2009

 

Previsibilidade da justiça

Uma das ideias fortes do programa do Governo na área da justiça é a da sua "previsibilidade". E adianta-se que "os cidadãos e as empresas devem poder conhecer os prazos previsíveis dos diferentes tribunais, em função do tipo de acção...".
Até aqui muito bem. Parece-me uma ideia boa, quer para os cidadãos, quer para os próprios "operadores" da justiça, que passam a ter uma referência temporal para a tramitação e conclusão da causa.
Mas avança-se ainda com a criação de "novos mecanismos para a uniformização da jurisprudência e novas formas de trabalho cooperativo, de modo a diminuir as discrepâncias no tratamento de situações semelhantes". E aqui as coisas tornam-se mais duvidosas. Agora a previsibilidade já não é só do prazo, é também do teor da decisão...
Esperemos para saber o que será o tal "trabalho cooperativo" (?!) dos tribunais. Mas suscita necessariamente muitas reservas a ânsia de "uniformização" da jurisprudência.
É que a jurisprudência, quer por incidir no tratamento de singulares "casos de vida", quer por ser trabalho de uma multiplicidade de sujeitos sem relação hierárquica (a não ser a que resulta das ordens dos tribunais superiores) é um domínio em que a pluralidade de juízos sempre será inevitável e a uniformização uma meta sempre problemática.
Uma preocupação excessiva pela uniformidade é tributária de uma concepção autoritária da justiça e dos tribunais, que valoriza a jurisprudência que vem "de cima" em detrimento da "ousadia" dos escalões inferiores, favorecendo a autoridade contra a criatividade, estiolando, a prazo, a evolução da jurisprudência e do próprio direito, que se alimenta da casuística que os tribunais tratam no seu dia-a-dia.
A uniformização possível, e desejável, consegue-se com os mecanismos actualmente previstos nas leis processuais, e também, de alguma forma, com o esforço na formação dos magistrados e ainda com o desenvolvimento da própria cultura jurídica, da doutrina, etc.
A tentação de uniformizar à força é que não é nada recomendável...





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