21 junho 2010
Saramago
Neste momento em que escrevo o corpo de José Saramago está reduzido a um montão de cinzas, aquele corpo débil que nos ficou na retina das últimas imagens e de que ele arrancava forças para emitir declarações que pareciam destinadas a causar ainda maior escândalo em certos auditórios. Quase sempre mal compreendidas e interpretadas numa dimensão demasiado literal, mesmo em meios situados fora da esfera a que aparentemente se destinavam, essas declarações representavam como que o desejo extremo, por isso também exagerado, que acomete certos homens que trilharam rumos singulares, de afirmarem a sua integridade moral e intelectual ante a consciência da sua crescente debilidade física e o avizinhar do fim. É como se eles quisessem transmitir-nos que não se acovardam diante da morte, esse corte abrupto da existência, e o pretendessem esconjurar com uma superlativa negação das forças que suposta ou imaginariamente, dentro de certa tradição cultural que é a nossa, comandam o nosso “destino”.
Saramago chegou ao fim de uma existência que, a muitos títulos, foi abençoada por um conjunção de circunstâncias que fizeram da sua vida um cúmulo de êxitos e uma legenda de felicidade. Claro que a essa “graça dos deuses”, ele soube juntar, de uma forma rara, o seu talento, a sua arte de viver e também uma sábia gestão da sua fortuna.
De origens humildes e começos de vida difíceis, literariamente só ganhou evidência perto dos sessenta anos. Mas, a partir daí, foi um enfunar de velas pelo mar de uma existência longa e luminosa. Os êxitos sucederam-se na construção laboriosa de uma obra de ficção, que profundamente se debruçou sobre os grandes temas da condição humana, quer efabulando situações do nosso passado histórico, quer focando questões do nosso tempo actual ou de todos os tempos, muitas vezes de uma forma alegórica e sem os espartilhos de um esquematismo ideológico ou o normativismo de qualquer corrente estética. Rapidamente galgou fronteiras, tornando-se um escritor universal e sendo o único escritor português (e de língua portuguesa) a conquistar o prémio Nobel, para o qual também soube dispor as coisas convenientemente.
Do ponto de vista da sua vida privada e íntima, os fados não lhe foram menos generosos. O seu último grande amor com Pilar del Rio foi quase uma história de encantar, um amor apaixonado, feliz, duradouro e que lhe serviu de viático na própria morte. Um amor que parece ter saído de uma das suas mais belas histórias de ficção.
Folheei os jornais de sábado enquanto viajava de comboio – horas e horas a ler jornais sobre Saramago: o “Público”, que substituiu as 12 páginas que tem dedicado ao Mundial de Futebol por uma homenagem ao escritor; O “Jornal de Notícias”, que lhe dedicou um caderno; o “Expresso”, com vários depoimentos; o “El País”, com várias páginas de artigos, depoimentos, testemunhos, incluindo do primeiro-ministro Zapatero e do presidente do PP, numa comovente homenagem que o mais prestigioso periódico do país vizinho entendeu fazer-lhe. Saramago, para além do mais, conseguiu o mais perfeito casamento entre Portugal e a Espanha. Uniu os dois países no mesmo afecto, que a sua união com Pilar del Rio simbolizava da forma mais carnal e harmoniosa e que as páginas dos periódicos de cá e de lá obsessivamente mostram em imagens que correram mundo, por entre artigos e depoimentos que enaltecem a grande arte do escritor.
Saramago chegou ao fim de uma existência que, a muitos títulos, foi abençoada por um conjunção de circunstâncias que fizeram da sua vida um cúmulo de êxitos e uma legenda de felicidade. Claro que a essa “graça dos deuses”, ele soube juntar, de uma forma rara, o seu talento, a sua arte de viver e também uma sábia gestão da sua fortuna.
De origens humildes e começos de vida difíceis, literariamente só ganhou evidência perto dos sessenta anos. Mas, a partir daí, foi um enfunar de velas pelo mar de uma existência longa e luminosa. Os êxitos sucederam-se na construção laboriosa de uma obra de ficção, que profundamente se debruçou sobre os grandes temas da condição humana, quer efabulando situações do nosso passado histórico, quer focando questões do nosso tempo actual ou de todos os tempos, muitas vezes de uma forma alegórica e sem os espartilhos de um esquematismo ideológico ou o normativismo de qualquer corrente estética. Rapidamente galgou fronteiras, tornando-se um escritor universal e sendo o único escritor português (e de língua portuguesa) a conquistar o prémio Nobel, para o qual também soube dispor as coisas convenientemente.
Do ponto de vista da sua vida privada e íntima, os fados não lhe foram menos generosos. O seu último grande amor com Pilar del Rio foi quase uma história de encantar, um amor apaixonado, feliz, duradouro e que lhe serviu de viático na própria morte. Um amor que parece ter saído de uma das suas mais belas histórias de ficção.
Folheei os jornais de sábado enquanto viajava de comboio – horas e horas a ler jornais sobre Saramago: o “Público”, que substituiu as 12 páginas que tem dedicado ao Mundial de Futebol por uma homenagem ao escritor; O “Jornal de Notícias”, que lhe dedicou um caderno; o “Expresso”, com vários depoimentos; o “El País”, com várias páginas de artigos, depoimentos, testemunhos, incluindo do primeiro-ministro Zapatero e do presidente do PP, numa comovente homenagem que o mais prestigioso periódico do país vizinho entendeu fazer-lhe. Saramago, para além do mais, conseguiu o mais perfeito casamento entre Portugal e a Espanha. Uniu os dois países no mesmo afecto, que a sua união com Pilar del Rio simbolizava da forma mais carnal e harmoniosa e que as páginas dos periódicos de cá e de lá obsessivamente mostram em imagens que correram mundo, por entre artigos e depoimentos que enaltecem a grande arte do escritor.