04 agosto 2011

 

Breivik e a ressocialização



A propósito da prosa de Pedro Soares Albergaria sobre a capacidade ou incapacidade de Breivik para ser ressocializado, lembrei-me de um livro interessante – O Homem Que Era Quinta-Feira, de G.K. Chesterton (nova edição da Relógio d’Água) – que li não há muito tempo, sob a influência de um filósofo actual que tenho citado várias vezes – Slavoj Zizek. Na minha adolescência, frequentava uma biblioteca que tinha esse livro, e nunca me deu para o ler. O próprio título sugeria-me um romance fútil, de puro divertimento. Afinal, é um romance interessantíssimo, e Chesterton é um autor considerável. O objecto do livro é o combate ao anarquismo, no início do século XX, e está cheio de um humor requintado e inteligente.
A dada altura, há uma conversa entre um polícia pertencente a uma nova secção de polícias filósofos e uma das principais personagens do livro – o poeta Syme, que, tal como o polícia, entrou para o anarquismo para o destruir. A conversa gira em torno do tema dos criminosos vulgares ou comuns e dos criminosos perigosos – estes irrecuperáveis. Os criminosos perigosos são para o polícia os modernos filósofos.
Diz ele: «Digo-lhe que às vezes o meu ofício me dá vómitos, por se parecer tantas vezes com uma guerra sem quartel movida contra os ignorantes e os desesperados. Mas esta nova orientação que adoptámos é completamente diferente. Opomo-nos à enfatuada ideia feita inglesa segundo a qual os criminosos mais perigosos são seres sem instrução. Lembramo-nos dos imperadores romanos. Lembramo-nos desses grandes envenenadores que foram os príncipes do Renascimento. Dizemos que o criminoso perigoso é o criminoso instruído. Dizemos que o criminoso mais perigoso dos dias de hoje é o moderno filósofo absolutamente contrário a qualquer lei. (…) Os ladrões respeitam a propriedade. Limitam-se a desejar que a propriedade seja deles para a respeitarem mais perfeitamente. Mas os filósofos detestam a propriedade enquanto propriedade; querem destruir a própria ideia de posse pessoal. (…) Os homicidas respeitam a vida humana; desejam aceder a uma plenitude maior da sua vida humana através do sacrifício do que consideram vidas inferiores. Mas os filósofos detestam a própria vida, e tanto a sua própria vida como a dos outros.»
«Syme bateu as palmas das mãos.
«- Isso é bem verdade – exclamou. Foi isso que senti desde rapaz, mas nunca cheguei a formular essas antíteses. O criminoso comum é um homem mau, mas é pelo menos, por assim dizer, um homem condicionalmente bom. Afirma que basta que este ou aquele obstáculo, como, por exemplo, um tio rico, seja removido do seu caminho, para que ele se disponha a aceitar o universo e a entoar louvores a Deus. É um reformador, mas não um anarquista. Deseja limpar o edifício, mas não destruí-lo. Mas o filósofo maldoso não está a tentar transformar as coisas, está a tentar aniquilá-las.» (…)

Moral da história para este efeito: a ressocialização pressupõe o respeito pelo criminoso de uma ordem de valores – a própria ordem de valores em que mergulha o seu crime. Aquele que nega de raiz os valores em que assenta uma dada comunidade social é irrecuperável.
Mas será Breivik um desses criminosos irremissíveis, ou apenas um louco?
Os psiquiatras, os psicanalistas e os penalistas dividem-se. Especulam. Esperemos para ver.





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