23 abril 2012
Zero desperdício
A campanha “Zero desperdício” é
uma campanha que visa aproveitar todas as sobras para as encaminhar para os
necessitados, ou seja, para as mais atingidas vítimas da crise.
Não tenho nada contra a campanha,
nem contra todo o auxílio às pessoas carentes, mas logo que ouvi, na rádio, a
propaganda de “Zero desperdício”, imediatamente me soaram campainhas de alarme,
que suscitaram a minha reflexão. “Zero desperdício”? Mas o que é que isso
significa?
“Zero desperdício” são os sobejos
das pessoas saciadas, os restos dos alimentos que iam para a lavagem ou nem
para isso, os objectos que já deixaram de ter préstimo para quem os ia lançar ao
caixote do lixo, em suma, tudo aquilo que se tornou excedentário ou perdeu
importância (por estar gasto, já não servir, estar fora de moda, etc.) para o
seu usador. É isso que se pretende aproveitar para dar aos que nada têm. É esse
desperdiçável para uns tantos que se pretende canalizar para os que não podem
desperdiçar nada.
Esse é o princípio da caridade
que impera nas sociedades estruturadas na desigualdade, onde uma camada
considerável de pessoas não tem, escandalosamente, acesso aos bens mais
fundamentais. Uma caridade que ganha sobretudo incremento nas épocas de crise,
em que o “sistema” lança para a sargeta seres humanos, como coisas supérfluas,
desperdiçáveis. É que este tipo de sociedade é intrinsecamente baseado no
desperdício, porque o seu aparelho produtivo está programado para a criação de
necessidades fictícias e, portanto, supérfluas, e não para a satisfação das necessidades
básicas de todos os cidadãos. Para além disso, produz objectos de duração cada
vez mais limitada e para deitar fora ao fim de pouco tempo (o “descartável” é o
signo por excelência deste tipo de sociedade), a fim de renascer constantemente
das cinzas do desperdício. Mais ainda: é uma sociedade cuja solidariedade se
define, a nível global, por preferir matar à fome milhões de pessoas, a ter de
enfraquecer os princípios brutais da mais infrene concorrência.