21 abril 2012

 

Os recados da ministra


A ministra da Justiça, na entrevista de ontem, sexta-feira, à Antena 1, conduzida, como habitualmente, por Maria Flor Pedroso, foi porta-voz ou encarregou-se ela própria de transmitir dois recados, cada qual mais surpreendente: 1.º - o de que o corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos deveria prolongar-se, afinal, pelo ano 2015, e não terminar em 2013, como disse há tempos o ministro das Finanças, depois de ter afirmado que se destinavam a vigorar nos anos de 2011 e 2012, nem como foi afirmado pelo Primeiro-Ministro, que começariam a ser repostos (não totalmente, numa primeira versão, e intensamente, numa segunda versão) no ano de 2014; 2.º - o de que seria uma tragédia para o país que o Tribunal Constitucional viesse a chumbar os cortes desses mesmos subsídios.

O primeiro recado significa ou que o governo anda a navegar sem rumo, perdido nas brumas da sua própria incerteza, e que – consequência dessa errática navegação – cada governante vai ditando os seus palpites na confusão que reina a bordo, ou que – hipótese malévola – vai lançando intencionalmente uma coisa hoje, outra amanhã, pela boca dos vários membros da equipe de marinhagem, para ir habituando os embarcadiços à ideia de que não há botes de salvação para os cortes de subsídios, que se hão-de perder no naufrágio. Adeus subsídios!

O segundo recado tem mais que se lhe diga. É um recado com endereço certo. Visa os juízes do Tribunal Constitucional e significa objectivamente um condicionamento do poder jurisdicional. Faz pender sobre os juízes o peso tremendo de uma decisão desfavorável às pretensões do governo. As consequências de uma tal decisão seriam catastróficas, diz a ministra. Uma tragédia para o país. Portanto, esses juízes, a votarem maioritariamente contra tais pretensões, seriam responsáveis por esse efeito funesto, seriam autores de uma calamidade nacional. Os juízes que meçam bem os passos que vão dar, se não quiserem arcar com a responsabilidade de porem a corda ao pescoço do país, é o que adverte a ministra, que, sendo da Justiça, fala directamente para um sector da sua área, mas no qual não lhe compete intrometer-se.

A atitude da ministra atenta contra a independência de um órgão jurisdicional. Menoriza os seus juízes, ao alertá-los para as consequências trágicas de uma decisão possível, como se eles não fossem capazes, por si, de ponderar essas consequências, de acordo com os parâmetros constitucionais e os bens conflituantes que estão em jogo. É bem possível que os estragos feitos na independência desse órgão jurisdicional não sejam reparáveis. E quanto aos juízes, estes ficam colocados numa posição ingratíssima. Eu não gostaria de estar na posição desses juízes.

Agora compreendem-se os receios de que o Tribunal Constitucional possa ficar cada vez mais sujeito a tentativas de manipulação do poder político de momento.







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