13 julho 2012
A entrevista do presidente do TC
O presidente do
Tribunal Constitucional (TC) deu hoje uma entrevista à Antena 1, conduzida por
Maria da Flor Pedroso, que foi muito meritória, por vir repor as coisas no seu
devido lugar quanto à interpretação do recente Acórdão que declarou a
inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas do Orçamento de
Estado para 2012 que determinaram o corte dos subsídios de férias e de Natal
dos funcionários públicos e pensionistas, durante a vigência do Programa de
Assistência Económica e Financeira.
Muito se tem
falado desse acórdão na comunicação social de um ponto de vista errado e
deturpado, por força de uma leitura redutora, quer dos próprios agentes da
comunicação social, quer de pessoas que aparecem a fazer comentários nos
“media”. Nada a que não estejamos habituados. Frequentemente, os órgãos de
comunicação social não transmitem a complexidade de uma decisão judicial,
reduzindo-a a esquemas simplistas e a fórmulas que induzem em erro os
destinatários da informação.
Não se trata
apenas de uma inadaptabilidade dos tribunais à comunicação social, como muitas
vezes se pretende fazer crer, mas também de uma falta de aptidão desta para
lidar com a realidade dos tribunais. Ia a dizer, uma falta de aptidão para
lidar com a complexidade das coisas, seja dos tribunais, seja de outro sector
da vida social. Os “media” têm a tendência para simplificar e até para um certa
negligência na busca e no tratamento das fontes. Captam a superfície dos
fenómenos, fazem leituras apressadas e por isso redutoras, gostam de mensagens
de impacto e que causem sensação. O resultado é maltratarem o próprio material
informativo, sobretudo quando este tem alguma densidade e complexidade.
Foi isso mesmo o
que aconteceu com o acórdão do TC. O que passou para o senso comum foi que o TC
chumbou o corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e
dos pensionistas, por não estarem abrangidos os trabalhadores do sector privado,
e daí resultar ferido o principio da igualdade.
Ora, não foi
nada disso. O princípio da igualdade foi considerado beliscado por se ter
seleccionado um grupo específico de titulares de rendimentos do trabalho ou
dele derivados (funcionários públicos e pensionistas, estes não só da função
pública) para contribuírem com o seu esforço para a redução do défice, sem que
houvesse idêntico esforço de titulares de outros rendimentos de trabalho fora
da função pública e titulares de outros rendimentos, como os do capital, e
ainda sem se encontrarem outras formas de diminuição da despesa do Estado.
Portanto, um
complexo de situações que não podem resumir-se à dicotomia trabalhadores da
função pública/ trabalhadores do privado, de sorte que nada no aresto do TC
autoriza a que a solução a encarar para repor o princípio da igualdade seja
pura e simplesmente o de cortar também nos subsídios ou nos salários dos
trabalhadores do sector privado, como infelizmente tanto se tem propalado nos
“media”, quer por leitura redutora destes, quer de outras pessoas (algumas com
grandes responsabilidades em várias áreas do conhecimento e do universo
profissional, incluindo juristas, economistas, políticos e constitucionalistas)
que têm acesso ou lugar privilegiado naqueles. O presidente do TC criticou
algumas dessas visões apressadas, incluindo a do primeiro-ministro, que, segundo
disse, reagiu a quente.
Ora, o exemplo
desta entrevista devia ser seguido em muitas outras situações em que os “media”
e outras pessoas que neles intervêm (os fazedores de opinião) veiculam versões
erradas e deturpadas de muitas ocorrências da nossa vida judiciária.
É certo que a
entrevista foi também (ou sobretudo) um acto exemplar de um órgão da
comunicação social, protagonizado por uma jornalista de mérito – Maria da Flor
Pedroso – e seria uma injustiça não o realçar.