20 setembro 2012

 

A crise nas palavras dos outros


 

 

 

 

«De há algum tempo para cá, era visível um padrão de actuação governativa, muito dependente de ideias simples de markting político, que consistia em proceder em três fases. A primeira era a criação de um inimigo, conforme com o sentimento populista. Esse inimigo foi o Governo anterior, Sócrates, o despesismo, o clientelismo do PS, o descalabro das contas, a bancarrota, o “regabofe”. Havia muita razão para apontar a este inimigo, mas a uma dada altura já não chega. À custa dele passaram as primeiras medidas de austeridade, em violação das promessas eleitorais. Mas o apoio popular à austeridade estava intacto, e a culpa era sempre retrospectiva.

«Depois as coisas começaram a complicar-se e apareceram novos inimigos. Sócrates teve a fronda dos professores. Passos Coelho imitou-o, apontando o dedo aos funcionários públicos. O mecanismo de os tornar inimigos era o mesmo de sempre e com sucesso garantido: eram uns privilegiados em relação ao privado, por isso tinham que ser punidos.»

Pacheco Pereira, “A época do caranguejo”, Público de 01/09/2012

 

«A reação do governo à declaração de inconstitucionalidade de algumas medidas legislativas, que deu origem a um confronto hostil com o Tribunal Constitucional, mostra bem que, nas suas práticas, o governo tende a situar-se num espaço em que não há um fora da lei e em que a guerra civil legal instaurada pelo estado de exceção não declarado pode abolir a distinção entre poder legislativo, executivo e judicial.»

António Guerreiro, Expresso/Actual de 15/09/2012

 

«Médicos, enseñantes, funcionários, estudantes y trabajadores fijos son descalificados. Al disfrutar de supuestos “privilégios”, parecem corresponsables de la situación actual. Desprestigiándolos se puede activar um malestar social basado en el rencor, la envidia y el miedo, y socavar la reputación de lo público para justificar su liquidación.

(…)

La reiteración machacona de una consigna (y no de un argumento, como sugiere la equivoca noción de “argumentrio”) a varias voces, en momentos y lugares distintos, es habitual: Los “interinos han entrado a dedo”; “los sindicatos viven de las subvenciones”, “los professores trabajan poco”, etcétera. “Lo que digo três veces es verdad”, afirmaba el Bellman de Lewis Carrol. La derecha saca partido de esa “performatividad” que rige la economia de los enunciados públicos: cuando un comportamento es reiteradamente reputado de normal, se tiende a normalizarlo; o a estigmatizarlo, si se le há tildado repetidamente de anómalo.»

Gonzalo Abril, Maria José Sanchez Leyva y Rafael R. Tranche, “La ocupación del linguaje”, El País, 01/09/2012.

   

«O domínio esmagador da economia e do governo que lhe corresponde esmagou completamente a figura mais importante da “polis” democrática: a soberania popular. A magia negra da economia faz com que a “crise” venha necessariamente acompanhada de uma injunção que podia ser traduzida por umas célebres palavras de Frederico II: «Podem pensar tanto quanto quiserem e sobre tudo o que quiserem, mas obedeçam!» Ora, como mostra Agamben em escritos mais recentes “crise” e “economia” deixaram hoje de ser usados como conceitos e passaram a ser palavras de ordem que servem para impor e induzir a aceitação de medidas e restrições. Na verdade, a “crise” dura há décadas e, de certo modo, não é senão o modo normal como funciona o capitalismo. A “crise” sempre foi o modo como o capitalismo recuperou e restaurou a ordem económica, desembaraçando-se da resistência social e política que foi amadurecendo durante a fase do ciclo em que houve acumulação.»

(…)

«Trata-se de uma espécie de comunismo do capital, em que o Estado e a comunidade satisfazem as necessidades dos “sovietes financeiros” (como já foram chamados): bancos, seguradoras, grandes empresas. Assistimos assim à situação paradoxal que consiste na abolição da sociedade salarial, mas agravando as relações de dominação que ela implica na sua definição clássica. Entre o indivíduo completamente atomizado e o mercado do emprego já não existem ecrãs de proteção, que têm vindo a ser completamente destruídos. Nada impede assim o regresso a formas de produção pós-fordistas que tornam impossível qualquer identificação do indivíduo com a sua função social».

António Guerreiro, Expresso/Actual, de 15/09/2012.

 

“Apenas um por cento da população tem o que noventa e nove por cento precisa para viver”.

Joseph E. Stiglitz, prémio Nobel da Economia, El precio de la desigualdad  (trad.), Taurus, Madrid, 2012 .    





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