14 julho 2013
Os carrascos
No"post" anterior, citei mal a frase
dos carrascos proferida por Assunção Esteves: "Não podemos deixar que os
nossos carrascos nos criem maus costumes". O Maia Costa citou-a
correctamente. Antes de colocar o meu "post", não li o do Maia Costa,
para não me deixar influenciar. Se o tivesse lido, teria confrontado a minha
citação com a dele e teria podido corrigi-la.
A frase proferida pela presidente da Assembleia,
também não corresponde à que Simone de Beauvoir escreveu num dos ensaios que
compõem a obra O Existencialismo E A Sabedoria Das Nações (Editorial Estampa, 2.ª
edição, 1967). Esse ensaio - "Olho Por Olho" - é o último
do livro e começa exactamente com esta frase: "Os nossos carrascos criaram-nos maus costumes", escrevia com
desgosto Grachus Babeuf.
Portanto, a frase atribuída a Simone de Beauvoir
é ela própria uma citação e o simples enunciado dela mostra que o seu sentido foi
completamente adulterado pela presidente da Assembleia da República.
Em primeiro lugar, foi adulterado pela radical
diferença de contextos sociais e políticos: a ocupação nazi, no caso de Simone
de Beauvoir, e um protesto contra as políticas do governo de Passos Coelho por
manifestantes nas galerias da Assembleia, no caso do acontecido há dias em
Lisboa.
Em segundo lugar, a frase citada por Simone de
Beauvoir, a abrir o seu ensaio: “Os
nossos carrascos criaram-nos maus costumes”, escrevia com desgosto Grachus
Babeuf é uma frase dolorida e lamentosa e constitui o ponto de partida para
uma brilhante reflexão sobre a justiça, o castigo e a culpa, tendo como pano de
fundo o fim da 2.ª Guerra Mundial e a perseguição aos colaboradores do regime
nazi, sustentando a tese de que a vingança nunca pode ser uma forma de realização
da justiça e de que esta, tendo todavia a marca de ambiguidade que é própria da
nossa condição, tem de assentar numa ordem de valores que se fundamente na essencial
liberdade humana para escolher entre o
mal e o bem.
De forma que Assunção Esteves também parece ter
agido como “carrasco” (em sentido metafórico, claro) de uma autora tão brilhante
como Simone de Beauvoir.