07 agosto 2013
A abolição do tempo
A chamada convergência das
pensões do sector público com as do sector privado vem muito embrulhada em “equidade”,
que é o invólucro com lacinho constitucional para disfarçar o conteúdo de má
qualidade.
Fazer a convergência através do
retrocesso de um dos sectores, cortando nas pensões dos reformados a pretexto
de igualar ambos os sistemas, faz lembrar aquela história contada na recente
novela de Nuno Júdice, A Implosão, em
que, não havendo bancos para todas as
crianças de uma escola, o remédio não é dar um banco a cada uma, «mas
pôr todas as crianças sem banco para que a igualdade seja um princípio universal».
Mas pior ainda do que isso: os
cortes são para operar retroactivamente, isto é, mesmo em relação a quem já
tinha as suas pensões fixadas no passado (já nem falo de quem passou toda uma vida
a descontar para obter uma dada reforma, mas ainda não está reformado, que
também esses são confrontados com uma mudança de sistema no decurso de uma
longa carreira).
É a primeira vez que acontece tal
coisa. Governos anteriores haviam editado diplomas legais com o fito na
convergência dos dois sectores, mas só para os que viessem a ingressar no
sistema depois da lei; nunca se atreveram a legislar para trás.
Agora, deixou de haver “para trás”
e “para a frente”. Já não há um “antes” e um “depois”, em termos legais. A lei
pode ir para trás e para frente sem impedimentos. É a abolição do tempo do
ponto de vista legal.