03 novembro 2013

 

Segunda carta ao protagonista-mor da nossa Revolução


Com uma sugestão no final

 

Prezado Senhor Corte:

Permita-me V.ª S.ª que reincida na minha ousadia de lhe voltar a escrever, roubando-lhe mais um bocado do seu precioso tempo, mas creia-me que o faço por força do acrisolado amor que sinto pela nossa Pátria e pela crescente admiração que nutro por V.ª S.ª. Na verdade, estes últimos dias vieram dar-nos uma demonstração definitiva do seu enorme talento.

Refiro-me à reforma do edifício estadual por que tanto ansiávamos, na perspectiva de vermos,  finalmente, a coroação de todas as profundas reformas que têm vindo a ser empreendidas por um Estado novo, que seja digno da nossa revolução.

Neste tão delicado capítulo, começou V.ª S.ª por nos dar uma lição mestra, qual seja a de que uma reforma de tal magnitude não está no fim nem no princípio; está em todo o processo. A tão famigerada reforma já vem sendo efectuada desde que principiou a nova governação do País, por muito que os nossos opositores a não quisessem ver e mesmo que a não tivessem enxergado as pobres mentes de muitos de nós.  

A reforma do edifício estadual está ai, bem palpável, nos cortes que V.ª S.ª tem vindo a efectuar e que se propõe continuar de forma tão audaz, e aos quais me referi na minha anterior missiva. Como é que a oposição demenciada que temos não foi capaz de ver isso? Como é que muitos de nós não tinham ainda dado por ela?

Se nos pusermos a olhar com olhos de ver, desde que tudo principiou até ao presente, logo encontraremos a chave da reforma: uma bela operação de cortes sucessivos, que têm vindo a delinear um figurino gracioso e justo, onde há-de caber na perfeição o corpo do Estado novo, enfim liberto para sempre, como se espera, de todas as enxúndias a que antigamente se chamava “funções sociais do Estado”, com os desperdícios inerentes por elas implicados, quer no que respeita a funcionários, quer no que toca a excrescências de salários e pensões.

Nisto, ou seja, nesse continuado labor de recorte, afinal tão saliente, mas, ao que parece, invisível para muita gente, que nele não divisava qualquer reforma estadual, reside o grande talento de V.ª S.ª

Faltava só concluir o trabalho e esse consistia apenas, como notou um dos mais finos observadores da nossa realidade actual, em enchumaçar o figurino, dando-lhe uma forma mais arredondada e composta. Mas o principal - o talhe, os grandes cortes de mestre – já estavam feitos.

Se não parecesse demasiado atrevimento, permitir-me-ia apenas fazer uma sugestão a V.ª S.ª, e é esta: Leve V.ª S.ª para a frente, com destemor, o projecto de cortar na canzoada e na gataria que anda para aí a ladrar e a afiar as felinas unhas contra o projecto de refundação do nosso País. Não se arrependerá.

 

Com isto me despeço, renovando os meus mais sinceros sentimentos de

                                                                                              Gratidão e Fidelidade

 

Jonathan Swift  

(1665-1745)





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