06 janeiro 2014
Eusébio
Eusébio
é, sem dúvida, um símbolo nacional, ao mesmo título que Amália o foi, em campo
diverso. Porém, não se queira fazer dele o expoente máximo do génio nacional,
como se não houvesse mais nada a que nos agarrarmos. A sua fortuna deve-se, inquestionavelmente,
ao seu talento, mas teve nisso grande influência a modalidade em que se distinguiu,
merecendo os favores de grandes massas, e a centralidade mediática que o
chamado “desporto-rei” sempre obteve, quer em relação a qualquer outra
modalidade desportiva, quer em relação a qualquer sector da vida social, por
mais vital e proeminente que se configure, quer ainda em relação ao sistema de
representações simbólicas.
Há
mesmo nesta hipervalorização do talento futebolístico uma espécie de inversão
de valores, que leva a que se subalternizem e se ofusquem outros valores e
talentos que contribuem, de uma forma insofismável, para o progresso social, científico,
cultural e artístico de um país, de um povo e até da humanidade. Muitos dos
expoentes nessas áreas, para além do talento com que são dotados, são exemplos
de tenacidade invulgar, de esforço e de trabalho, e fazem das suas existências
holocausto a causas altruístas e humanitárias, sem que sejam devidamente recompensados e
reconhecidos no universo mediático-simbólico.
Ainda
há poucos dias, como lembrou Marcelo Rebelo de Sousa, faleceu Albino Aroso, um
homem que contribuiu surpreendentemente para a queda da mortalidade infantil em
Portugal, após o “25 de Abril” e para a divulgação do chamado «planeamento
familiar». No entanto, não mereceu uma palavra do presidente da República, nem
de qualquer outra entidade oficial, a não ser do Director-Geral da Saúde,
Francisco Georges, que me lembre.
É
certo que Eusébio, para além do talento futebolístico, tem um capital simbólico
invulgar, projectando o país para além fronteiras e, mesmo, a nível global, mas,
seja como for, há que relativizar as coisas e reconhecer-lhes o lugar próprio.
Post-Scriptum
– Louve-se em Eusébio, para além do já referido, a sua simpatia humana e o
facto de nunca ter mudado de clube e ter resistido (por imposição alheia?) a
alistar-se em clubes estrangeiros. Hoje, os jogadores, o amor à camisola que têm, é serem dos clubes e
dos países que lhes pagam melhor. Estão, quase todos, deslocalizados.