14 junho 2015
A polémica acerca da prisão de Sócrates
Quase tudo o que se tem
dito ou escrito sobre a situação de Sócrates tendo por objecto a manutenção da
prisão preventiva, no seguimento da sua recusa da medida de obrigação de
permanência na habitação com pulseira electrónica, enferma de sectarismo, por
razões fundamentalmente político-pardidárias, ainda que não directas ou
explícitas, ou simplesmente determinadas
por uma razão de identificação com um campo político, de direita ou de esquerda.
Um campo político com fronteiras indefinidas e imprecisas, mas suficientes para
condicionarem um posicionamento.
Nos casos de mais
directa vinculação político-partidária ou ideológica, ou de empatia ou repulsa
pela personalidade do ex-primeiro-ministro, as posições são extremadas, claramente
antitéticas e comandadas por um espírito de cegueira a favor ou contra a situação
em que ele se encontra, as medidas contra ele tomadas no processo ou as
reacções de que ele tem sido protagonista. Assim é que a sua posição de recusa
da obrigação de permanência na habitação com pulseira electrónica e a decisão
judicial posterior de manutenção da prisão preventiva foram vistas de maneira
completamente antagónica por uns e por outros, ora percepcionando-se em
Sócrates o “animal feroz”, de que ele próprio, aliás, se faz gala, a sua
soberba e a sua rebeldia, ora divisando-se nessa atitude um acto de coragem, de
nobreza de carácter e até um sinal da sua inocência, apadrinhando-se ou
condenando-se sem remissão a decisão judicial consequente.
Houve mesmo quem visse
nesta mais um sintoma do descalabro do nosso sistema judicial, um acto de “vingança
mesquinha”, quando não uma perseguição injustificada movida por intuitos
ideológicos e mesmo corporativos (de uma classe profissional que o
ex-primeiro-ministro visou de forma particular na primeira metade do seu
mandato).
Fazendo excepção a esta
forma de ver as coisas, Francisco Teixeira da Mota publicou um artigo notável
no Público de ontem, sexta-feira, um daqueles
artigos para recortar, de perspicaz análise da situação, inclusive do ponto de
vista semiológico.
Nele, o autor centra a
reacção de Sócrates numa “estratégia de defesa de ruptura” e um acto em que ele
«considera como seu interlocutor a
opinião pública, passando por cima do tribunal (Ministério Público e
juiz de instrução criminal) que, para si, desde o momento da prisão, é uma
instância que produz acusações “falsas”, “absurdas”, “injustas”, “infundamentadas”
e que determinou uma prisão “injustificada que constitui uma “humilhação
gratuita”.» Assim é que «José Sócrates, ao fazer este balanço, está a
antecipar-se à acusação e a ocupar na arena pública o papel do tribunal: está a
julgar publicamente a justiça.» Este jogo que Sócrates resolveu empreender é um
jogo de tudo ou nada, de vitória ou de perdição totais.
Muitos dos que criticaram
duramente a decisão de manter o ex-primeiro-ministro em prisão preventiva,
sustentando que havia a solução de lhe aplicar a medida de obrigação de
permanência na habitação, vigiada exteriormente por agentes policiais, para
além de ignorarem, a meu ver, que, desde o momento em que foi
institucionalizada a vigilância por meios electrónicos, não se justifica, em
regra, a vigilância policial, e que uma tal solução iria colocar, daí para o
futuro, nas mãos dos arguidos, a possibilidade de determinarem a escolha entre
um meio e outro, não souberam ler, na sua radicalidade, o gesto de Sócrates, ou
seja, que ele recusa qualquer forma de condicionamento
da sua liberdade, nomeadamente qualquer forma de prisão, seja ela em estabelecimento
adequado, seja como “prisão domiciliária”.