21 agosto 2015
A Guerra de Troika
Para uma interpretação filosófica
e mitológica dos acontecimentos recentes da nossa União e das lições a extrair
do comportamento helénico.
É altura de expendermos
a nossa opinião sobre os acontecimentos recentes da nossa União e sobre o caso
particular de um dos seus membros – a Grécia, essa Grécia que foi parteira da
nossa civilização e da democracia, que, sendo boa, se quer na dose certa e concertada
com a unidade, no sentido que abaixo veremos.
A União foi criada para
termos uma Europa forte, coesa e capaz de enfrentar os graves problemas do
nosso tempo. O princípio basilar desta União reside na divisa “Um por todos e
todos por Um”.
Este princípio, à
primeira vista, parece de apreensão imediata, intuitiva, mas não nos devemos deixar
enganar pelas aparências, pois mesmo as cousas aparentemente mais simples
carecem, por vezes, de laboriosas investigações filosóficas para se lhes
descortinar o sentido. Lembremo-nos do grande filósofo gaulês que, encafuado
num quarto bem aquecido, por sinal na Alemanha (o país dos teutões), por cujas
guerras se deixara atrair, começou por questionar essa realidade que parece tão
palpável - a existência do próprio “eu”. Quantas noites de insónia não terá
Descartes consumido, quantas torturas da mente febril não terá ele sofrido, até
que se fizesse luz no seu espírito a respeito da sua real existência. “Penso,
logo existo”, assim acabou ele por encontrar a chave do mistério. Pois, tal
como o filósofo, também nos devemos questionar sobre o sentido profundo do
princípio que suporta a nossa União: “Um por todos e todos por Um”.
O grande busílis da
questão está em descobrir o “Um”, origem e princípio ordenador, a chave do
mistério, aquilo que, na esfera teológica, corresponde a Deus. O “Um” é, pois,
a alma do conjunto, do colectivo “todos”. Quem será, então esse “Um”, que dá
sentido e orientação aos outros elementos, a todos os outros, e que se apresenta como o radical indivisível
desse maravilhoso conjunto que é a nossa União? Eis a questão.
Depois de muito excogitar
durante dias a fio e noites insones, disse para comigo: Esse “Um” só pode ser
realmente um, a unidade indecomponível na qual todos estão consubstanciados.
Pois onde está esse “Um”? Esse “Um” - discorri
então, depois de muito observar a realidade circundante – só pode estar no país
que tem a potência originária, a força distintiva, o poder para se impor como
Marko. O Marko é realmente a potência originária, a força chanceladora. Esse
país é o grande país teutónico, o país que escolheu uma valorosa dama para
deter o poder chanceler, uma senhora que ostenta no nome a força irradiante do
poder originário do Marko, a senhora Markel. É essa senhora que, assistida pelo
seu inseparável Ministro do Grande Tesouro, encarna a alma da União, definindo-lhe
o sentido, imprimindo-lhe o princípio de ordem, em suma, dando-lhe o Ser (o famoso
Dasein, o “ser-aí”, entre as nações).
Discordo, por isso, dos
que entendem que a União deve ter no seu seio países dotados de plena
igualdade, cada um valendo por si, soberanamente, e que da livre confluência da
vontade de todos é que deveria nascer o sentido, a orientação e a suprema ordem
da União. Uma tal solução redundaria em balbúrdia e, no fundo, conduziria à
desunião de todos, pois cada país seria orientado apenas pelos seus interesses,
uns querendo seguir um determinado rumo, outros querendo enveredar por rumo
diverso e todos, no final, apresentando posições díspares. Ora, a unidade deve
resultar daquele membro da União que tem a superior característica de ser o
“Um”, de possuir o radical da unidade, primus
inter pares, comunicando aos demais o superior sentido que fusiona a
totalidade no “Um”. Ora, esse tal,
que será a cabeça e não simples membro, só pode ser, naturalmente, como já foi
afirmado, o país dos alentados teutões.
Contra este princípio
de harmonia insurgiu-se o último governo helénico, servindo-se de habilidosas
insídias e proclamando uma guerra contra a troika (a chamada “Segunda Guerra de
Troika”), depois congeminando uma ardilosa investida contra a Assembleia dos
Troikanos, onde dominavam as Altas Individualidades dos teutões. Impregnados do
espírito de uma ancestral mitologia, os helénicos chegaram a lançar a atoarda
de que o ministro do Grande Tesouro Teutónico queria fazer-se passar por Zeus e
sequestrar a Europa para satisfazer os seus desígnios, levando muitos
irresponsáveis seguidores das suas artimanhas a acreditar nessa fantasiosa construção.
Porém, a Assembleia dos
Troicanos, agitada, é certo, por algumas dissensões, protagonizadas pela figura
tonitruante do ministro do Grande Tesouro Teutónico e pela figura mais
complacente do Alto Representante da nação gaulesa, acabou por dominar a
delegação helénica, levando-a a aceitar um conjunto de medidas que açaimam por
completo o seu poder de recalcitração e a sua veleidade de impor aos troicanos
a subversão da disciplina teutónica que tem presidido aos destinos da União.
Na verdade, o chefe de
fila dos helénicos não teve outro remédio senão dobrar a cerviz, embora
dizendo-se de tripas revoltas, e sujeitar-se a uma pesada dívida perene para
com os troicanos, deteriorando a sua honra, empenhando os bens do seu povo e
acendendo fracturantes querelas entre os seus correligionários, que ainda agora
estão no seu começo.
Assim, foi ministrada
uma soberba lição, não só ao povo helénico, como também a todos aqueles que têm
a tentação de se aventurar por caminhos divergentes dos que são superiormente
definidos por quem tem o poder de exprimir a unidade da União. Ou, numa versão
mais acutilante: “Quem se eriça com a política que tem sido adoptada pela nossa
União e pela qual se define o norte da Europa, é certo e sabido que sai
eriçado”.
Vejam o que sucedeu ao
povo helénico.
Vejam, em contrapartida, o glorioso exemplo da
nossa Pátria, tão fiel ao poder teutónico e inexcedível no cumprimento das
orientações troikanas.
Jonathan Swift
(1667-1745)