25 novembro 2015

 

A indigitação do novo governo


O presidente da República não teve outro remédio senão indigitar António Costa para formar governo. Até certo ponto, pode dizer-se que foi vítima das suas próprias armadilhas, primeiro, ao resistir ao apelo de sectores da oposição, sobretudo da área socialista, para marcar as eleições para antes das férias de Verão, a fim de dar tempo a que o novo governo saído das eleições apresentasse o orçamento a tempo; depois, ao anunciar que só daria posse a um governo estável, sólido, rejeitando a ideia de um governo minoritário; finalmente, ao alinhar os princípios nucleares a que devia obedecer esse governo ou um acordo de incidência governamental ou parlamentar entre partidos para a formação do governo, pensando, desse modo, arrumar com os partidos à esquerda do PS.

Tudo isso lhe saiu furado, metendo-se num beco sem saída caracterizado pela diminuição drástica dos seus poderes, por força de o acto eleitoral recair no período constitucional em que lhe era defeso dissolver a Assembleia da República. Saiu-lhe, além disso, frustrada a tentativa de ligar o PS aos partidos de direita que exerceram o governo durante os últimos quatro anos (ao que ele chamava “cultura de compromisso”). E, finalmente, teve que acabar por conferir posse a um governo minoritário do PS com apoio parlamentar dos partidos à sua esquerda, que, no seu plano e na sua conformação ideológica, deveriam estar completamente arredados do poder.

Imagino o sofrimento, o desespero e a contrariedade que essas voltas que a História deu, no fim do seu mandato e que ele, de modo nenhum esperava, lhe devem ter causado. Ele bem tentou outro desfecho, vendo-se no autofabricado “beco sem saída”, mas não conseguiu, de todo em todo, dar-lhe a volta.

Atentando no ínterim que foi criado entre as eleições e a tomada de posse do governo do PSD/CDS e no alongado intervalo que se lhe seguiu entre a rejeição desse governo e a indigitação de António Costa, tendo feito arrastar o processo com audições de carácter corporativo, uma ida à Madeira e outras coisas mais, é-se levado a pensar que o PR esperava que sobreviesse alguma sacudidela em sectores da sociedade portuguesa, reacções internacionais desfavoráveis ao processo, tanto da EU, como de outras instâncias, principalmente as célebres reacções dos mercados e, até, provavelmente, alguma deterioração da situação, que suscitassem uma reviravolta salvadora. Nada disso aconteceu.

Houve, sim, foi a reacção quase sempre destemperada de membros do governo rejeitado e um grande alarido na comunicação social, onde campeavam analistas avessos a esta solução governativa, que se mobilizaram para uma campanha sem precedentes, muitos deles colunistas de periódicos e comentadores nos audiovisuais que, em vez de opinião, fizeram militância político-partidária, apontando o descalabro que aí vinha, usando uma linguagem muitas vezes de cunho fraudulento, multiplicando insinuações e descobrindo diferenças ou mesmo pequenos detalhes entre programas partidários, que agigantavam ao ponto de aparecerem como obstáculos intransponíveis ou impossibilitadores de uma ligação tida como contranatura. Isto, quando o que estava e está em causa é um apoio de partidos de esquerda a uma solução de governo com princípios mínimos de salvaguarda do Estado social, e não, ao contrário do que foi trombeteado, uma espécie de revolução bolchevista. Parece incrível, mas é verdade.  





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