14 março 2016
Pessimismo antropológico
Por falar neste mundo-cão em que vamos vivendo e que me
levou há dias a recorrer à ficção alegórica de Camus e de José Saramago, a
propósito dos refugiados, lembrei-me de um outro texto, este de Eça de Queirós,
todo ele repassado de um pessimismo antropológico. Li-o por ocasião do Natal e
chama-se precisamente “O Natal” e vem inserto nas Cartas De Inglaterra. Não é a primeira nem a segunda vez que leio
este e outros textos desse volume, mas só desta vez reparei, com o espanto de
ter encontrado uma novidade absoluta, numa passagem que parece ter sido escrita
pelo nosso escritor sociólogo, como
lhe chamou Eduardo Lourenço, num momento de profundo desânimo relativamente à
esperança de perfectibilidade humana. Isto prova, mais uma vez, que os livros
são uma fonte inesgotável de descoberta.
Eis a passagem
referida:
«De facto, pode-se dizer
que o homem nem sequer é superior ao seu venerável pai – o macaco; excepto em
duas coisas temerosas – o sofrimento moral e o sofrimento social.
«Deus tem só uma medida
a tomar com esta humanidade inútil: afogá-la num dilúvio; mas afogá-la toda,
sem repetir a fatal indulgência que o levou a poupar Noé; se não fosse o
egoísmo senil desse patriarca borracho, que queria continuar a viver, para
continuar a beber, nós hoje gozaríamos a felicidade inefável de não sermos…»
Desejo sincero de
extinção da incorrigível raça humana? Ou chocante forma de exprimir uma
cruel decepção?