30 julho 2017
Teoria sobre o aproveitamento político das tragédias a favor da nossa causa
(reflexões
para circulação restrita)
Hoje
proponho-me explanar o produto das minhas reflexões sobre o
aproveitamento político das tragédias e outros acontecimentos
infaustos para a nossa causa. Reflexões que parecerão um tanto
suspicazes a espíritos mais incautos e mais renitentes, mas que se
adaptam à crueza da realidade e à concorrễncia natural que se
estabelece entre forças adversas que lutam por uma posição de
supremacia, sobretudo quando essa posição de supremacia, como é o
nosso caso, encarna a razão e a justiça.
A
politica é a ciência do cálculo e da frieza. Não há nenhum outro
domínio da actividade humana onde se ponha à prova de uma forma tão
aguda a nossa capacidade para pormos de lado a sentimentalidade e as
emoções fáceis (o que se designa, muitas vezes, por “estados de
alma”) e considerarmos sem rodeios de qualquer espécie os meios
mais eficazes para conseguirmos os objectivos que pretendemos
atingir. Não quer isto dizer que não possamos exibir, se as
circunstâncias o requererem, sentimentos e paixões, alegrias e
tristezas, arrebatamentos e desolações, mas devemos assumir essas
atitudes como actores que representam magnificamente o seu papel, sem
experimentarem os sentimentos e emoções que exibem. E devemos ser
implacáveis para com os nossos adversários, não os poupando à
crítica mais acerba pelo mínimo erro que cometam, deslize para que
tenham resvalado ou acidente que tenham provocado ou simplesmente
sofrido por azar ou infortúnio. Se a situação fosse inversa, se
fôssemos nós a ter a responsabilidade da governação, eles não
nos poupariam, ou alguém tem a mínima dúvida disso?
Vem
isto a propósito dos recentes acontecimentos que tiveram lugar no
nosso país, nomeadamente as intempéries e grandes cheias que
devastaram consideráveis extensões de plantações agrícolas,
engoliram casas de habitação, dizimaram cabeças de gado e mataram
dezenas de pessoas. Ora, esta é uma tragédia que nos convém
explorar ao máximo, porque veio mesmo a calhar aos nossos intentos.
Dir-se-ia que a sorte nos saltou providencialmente ao caminho sob a
forma de um mar destruidor para nós empurrarmos os nossos
adversários para a voragem das águas impetuosas e, assim, os
aniquilarmos de vez. Seria um erro indesculpável que não
aproveitássemos esta oportunidade para, de uma forma constante e
persistente na praça pública, os deitarmos pela borda fora. Devemos
fazê-lo sem pudor.
A
tragédia podia ter acontecido connosco, quando tínhamos o leme da
governação, pois, em boa verdade, descontando factores ocasionais,
as causas que lhe deram origem, como a construção de diques e a
salvaguarda de uma distância conveniente entre as habitações e o
leito dos rios, vêm de trás e nós temos a nossa quota-parte de
responsabilidade, mas aconteceu com os nossos adversários, e o que
interessa enfatizar é essa circunstância – ter acontecido com os
nossos adversários, como se eles fossem os directos responsáveis
pelo sucedido. A política não é outra coisa senão a arte de virar
de cangalhas o sentido dos acontecimentos, explorando em nosso
proveito o que nos pode beneficiar e calando o que nos pode
comprometer. Ela é também a arte de manipular o tempo, realçando o
presente ou o passado, em conformidade com a táctica que queremos
adoptar no momento. Convém-nos agora invocar os males presentes,
pois que podem ser imputados imediatamente aos nossos adversários,
sendo que o vulgo tende a ver as causas próximas e não as
afastadas. É, pois, nesses males presentes que temos de procurar a
forma mais certeira de meter ao fundo a frágil embarcação em que
têm singrado os nossos adversários. Eis, sem dúvida, chegada a
hora de Belzebu, o arrais que os há-de fazer transpor o Estige, a
caminho das escuras águas do Inferno.
A
tragédia que se abateu sobre o nosso país oferece um ponto óptimo
para exploração em proveito da nossa causa: as dezenas de mortes
que dela resultaram. Acontecimentos com esta dimensão trágica são
raros e nós tivemos a sorte de este ter sucedido agora, em pleno
exercício do poder pelos nossos opositores mais directos. Não
devemos, pois, desperdiçar a oportunidade que se nos depara para
denegrirmos o mais que pudermos quem tem actualmente a
responsabilidade do governo do país, carregando nas tintas negras da
tragédia, insinuando que um acontecimento desta natureza só podia
ter tido origem na incompetência do actual governo dos nossos
adversários, se não mesmo na sua acção ou inacção criminosas,
enfatizando o número de mortes e fazendo guerrilha com a sua
contabilidade, a ponto de ficarem dúvidas sobre se as consequências
não terão sido muito mais extensas, quiçá se não terá sido
dizimada uma larga fatia da nossa população, com isso se tendo
produzido uma diminuição irreversível da nossa gente, muito mais
gravosa do que o êxodo de que nos acusam de ter provocado no
passado.
A
espíritos mais sensíveis uma tal querela poderá parecer um tanto
obscena, sobretudo por envolver uma instrumentalização das
vítimas. A isso responderei que as vítimas, porque mortas, não são
já susceptíveis de qualquer instrumentalização e, quanto aos
vivos, estes não são objecto dessa pressuposta manobra
instrumental. Sobra, portanto, o efeito que se pretende obter em
relação ao fim que se quer atingir: a repercussão negativa que
isso pode ter na imagem dos nossos adeversários e o resultado
positivo que daí possa advir para a nossa causa.
Se a
situação fosse a inversa, éramos nós que estávamos a naufragar
na tempestade armada pelos nossos adversários, que já provaram não
terem escrúpluos para nos desbancarem do poder. Basta imaginarmos
essa situação para desalojarmos da nossa mente qualquer prurido
ético. As tragédias têm dois lados: o lado infausto e o lado
fausto. Em relação ao primeiro, compete-nos a atitude mais
primorosamente compungida que possamos assumir, sobretudo para com os
familiares das vítimas e, em relação ao segundo, compete-nos
explorar a nosso favor o melhor que possamos a situação de
debilidade em que se encontram os nossos adversários. Vamos a eles!
Jonathan
Swift (1667-1745)
06 julho 2017
King Jong-un e Trump
King
Jong-un é desmiolado e perigoso, mas Trump não lhe fica atrás. Com
a sua habitual fanfarronice, prometeu que ia pôr a Coreia do Norte
na linha. Fez ameaças duras, tentou uma aproximação com o
presidente Xi Jiping, mandou para a península coreana uma frota
naval, começou a instalar um sistema antimísseis na Coreia do Sul,
mas de nada lhe valeu. King Jong-un prosseguiu com o lançamento de
mísseis, assestando os binóculos e apontando-os ao céu com os seus
bracinhos rechonchudos, a fim de seguir a trajectória dos projécteis
e batendo muitas palmas com as mãozinha sapudas ao êxito da
experiência.
Trump
foi obrigado a recuar com a frota, a suspender a implantação do
sistema antimísseis, a lamentar a falta de diligência adequada da
China e a ficar com a batata quente nas mãos.
A
Coreia do Norte tem elevado a fasquia das suas experiências e
provocações, surda aos apelos internacionais. E Trump está
entalado entre a inutilidade das suas ameaças e a força que quer
dar às suas imperiais determinações. O perigo é real e os dois
fulanos parecem ter emergido ambos de uma criação de Frankenstein
para atormentarem a humanidade com as suas fantasias verdadeiras.