26 agosto 2017
Os ataques terroristas e os media
O
Prof. Eurico de Figueiredo escreveu no Público, no
passado dia 23 (“O efeito Werther e o terrorismo”),
sobre o autocontrolo que os
“media” deviam ter na divulgação de notícias sobre os
atentados terroristas, como aquele que se deu há dias em Barcelona.
Eu estou basicamente de acordo, se bem que pense que o efeito dos
“media” é mais amplo e talvez mais complexo do que o que
lhe atribui Eurico de Figueiredo, que o analisa sobretudo de um
prisma psicológico de incitamento à imitação por parte de jovens
e jovens adultos em fase de desenvolvimento da sua personalidade
moldável e influenciável. Esse efeito de imitação, informa o
Professor, é designado de “efeito Werther”, a partir da obra de
Goethe A Paixão do Jovem Werther, a qual teria inspirado uma
série de suicídios que se verificaram no seguimento à sua
publicação e que teriam tido como modelo o suicídio do herói do
romance.
Ora,
parece-me inegável esse efeito de imitação ou de “contágio”
em jovens cuja personalidade está em formação, efeito que é
muitas vezes patenteado no modus operandi (o uso reiterado e
às vezes improvisado de veículos como instrumento de morte parece
prová-lo), mas há, com certeza, outros factores, que podem
resumir-se numa interrogação: o que é que leva esses jovens (e não
só jovens, mas também adultos) a imolarem-se eles próprios em
actos terroristas destinados a causarem morte e sofrimento no maior
número de pessoas e em certos casos também a destruição de bens
ou equipamentos de grande impacto público?
Ora,
o que se verifica é que a maior parte desses indivíduos são
preparados para executarem esses actos, no âmbito de uma
interpretação fundamentalista do islão, que se crê minoritária e
que encara o “estilo de vida ocidental” (expressão que me causa
algumas reservas, mas que uso à falta de melhor), nos seus aspectos
político, económico, cultural e religioso, como transgressivos da
ordem postulada pelos textos fundamentais do islamismo (a lei
islâmica ou sharia). Uma
constante que se detecta na prática desses actos é a invocação,
por parte dos seus autores, de Alá (“Alá é grande”, dizem
eles, numa expressão surpreendente, pois é como se a própria
divindade apadrinhasse esses actos horrendos), encarando a sua
própria morte como um
acto de imolação purificador. Eles querem morrer como
mártires e encontram nisso um motivo de redenção e júbilo. Também
o ataque terrorista nas Ramblas não foge a este esquema, tendo tido
como mentor, ao que se sabe, o imã da mesquita frequentada pelos
terroristas.
Portanto,
a maior parte desses indivíduos são preparados em acções, que têm
vindo a ser designadas de acções de “radicalização”, para
perpretarem actos contra “os infiéis”, sendo de notar que, na
sua maior parte, são descendentes de imigrantes com raízes
culturais islâmicas, frequentemente também a viverem em meios
periféricos das cidades ocidentais e mais propícios a certas formas
de radicalização, tanto mais prementes, quanto mais tocados eles
são por uma ausência de sentido orientador das suas vidas.
Não
quer isto dizer que o factor “imitação” não tenha aqui o seu
papel. Tem-no com certeza, mas provavelmente num complexo de causas
de ordem cultural, sociológica, económica, etc. De resto, os
grandes responsáveis do DAESH sabem-no bem, porque, se há uma coisa
que eles manipulam bem são as técnicas de comunicação e
informação. É possível que alguns atentados terroristas sejam
mesmo levados a cabo pelo simples efeito de imitação, sobretudo por
parte de indivíduos desenquadrados e que, no último instante, se
proclamam fiéis ao DAESH. A plausibilidade deste facto deveria, na
verdade, levar a comunicação social a ter cuidado no relevo que dá
à divulgação de notícias e difusão de imagens relativas a
atentados terroristas.
Mas
há um outro aspecto que importa considerar relativamente aos
“media”: o que o filósofo Jacques Derrida apelida de
“auto-imunização”, ou seja, a de tanto se querer proteger, que
se destroem todas as formas de protecção. A mediatização dos
atentados terroristas, lembra esse filósofo (Le «concept» du 11
septembre, entrevistas
com Jacques Derrida e Jurgen Habermas dadas a Giovanna Borradori,
Éditions Galilée 2004) é do interesse, tanto de quem sofre o
traumatismo desses atentados, como dos próprios terroristas. A
divulgação obsessiva, constante, espectacular, do sofrimento
causado, as imagens indefinidamente repetidas dos locais que foram
alvo dos atentados, das pessoas em correria desodenada a fugirem
desses locais, dos rostos angustiados, das cerimónias de homenagem
às vítimas, desmentindo, afinal, a ideia que também se pretende
transmitir de que os terroristas não conseguirão os seus desígnios
de amedrontamento, efectivamente dão um inusitado relevo às suas
acções, conferem-lhes o prestígio que eles procuram e espicaçam a
sua vontade destrutiva. Caso para meditar.
15 agosto 2017
O Verão das desgraças
Terminou
a volta a Portugal em bicicleta. Volta a Portugal que, de há uns
anos para cá, é só meia volta. Fugaz, começa e acaba num rápido.
Prossegue, no entanto, a volta a Portugal dos incêndios, essa
dilatada no tempo e no espaço. Portugal parece um palheiro a arder.
Como se não bastasse, deu-se hoje a tragédia da Madeira: queda de
uma árvore na festa da Senhora do Monte, quando estava para sair a
procissão. Saldo: doze mortos e cinquenta feridos.
Manifestamente
este é o Verão da desgraça para o governo de António Costa,
embora só por má-fé ou enviesamento crítico se lhe possa atribuir
esta sucessão de acontecimentos sinistros.
Fica-nos,
no entanto, esta sensação de negligência fatal no modo de ser
português. A árvore caiu, mas, pelos vistos, a mesma (um carvalho
com duzentos anos) já estava sinalizada e já haviam sido feitas
advertências às entidades competentes. Pois! As entidades
competentes!
14 agosto 2017
Trump
Trump
é a face arcaica e boçal do imperialismo americano. O que há de
mais escandaloso nele não é a exibição do poderio militar, que já
se sabe que é o mais forte do mundo, mas a forma irresponsável,
primária e ignorante como ele assume esse poderio. Mais: a forma
selvagem, anterior a uma qualquer juridicidade internacional como ele
intervém, usando da força ou ameaçando com o seu uso. Pondo Trump
em paralelo com King Jong-un, aquele talvez supere este em boçalidade
e irrisão. E representa maior perigo para o mundo.
Há
uma outra diferença entre os dois: King ocupa o cargo por uma
espécie de sucessão dinástica e Trump foi lá colocado pelos votos
dos americanos, o que agrava tremendamente as coisas.