12 março 2018

 

Não te armes antes de te armares

(ou as armas de que se deve munir a escola do futuro)
A solução do presidente dos Yankees de armar os professores, por causa do repetido morticínio nas escolas secundárias, é genial. Na verdade, se há alunos que entram armados nas escolas e matam, por que não podem os professores fazer o mesmo? Os professores têm o mesmo direito, se não um maior direito, a usar arma enquanto estão a debitar as suas aulas. Isso confere-lhes até o suplemento de autoridade de que necessitam para manterem os discípulos em respeito. Nos tempos que correm, as escolas são frequentadas por toda a sorte de alunos, de todas as proveniências sociais, culturais e étnicas, filhos de muitas mães e de muitos pais, e muitos desses alunos são atrevidos, rebeldes e indomáveis, não obedecendo à simples palavra do professor. Pois este, dispondo de arma, pode recorrer a um argumento definitivo, calando o aluno de vez.
O mesmo sucede quando o aluno é calaceiro e renitente a absorver os ensinamentos do professor. Este, antigamente, despejava a sua fúria marcando zeros enraivecidos numa caderneta, onde anotava as prestações dos alunos. Alguns, mais dados a vias de facto, tinham outros comportamentos de consequências mais imediatas. Tive um no colégio, para só mencionar um exemplo, que atirava com o molho de chaves à cabeça do aluno que falhava nas respostas às perguntas que lhe eram feitas sobre a matéria. O aluno estava no seu lugar e o professor, sentado à sua secretária, no alto do estrado. Daí, o professor lançava o seu modesto projéctil à cabeça do aluno. A solução actual do presidente dos Yankees é muito mais eficaz e definitiva, e com menos dispêndio de energia física: basta premir o gatilho de uma arma de fogo e disparar. Sempre é um progresso digno de um país avançado como os Estados Unidos da América.
Lembro-me também de certas segundas-feiras a seguir a domingos futebolísticos (nos tempos que correm, o futebol profanou-se, deixando de ser celebrado apenas no dia do Senhor para ocupar todos os dias da semana, mas naquele tempo era aos domingos). Oh, os circunspectos professores do colégio, se os seus clubes perdiam! Entravam de carantonhas cerradas, cabelos em desalinho, olheiras de quem perdeu a noite em agitação na cama. Na aula tornavam-se maus, ameaçadores, ferozes. Vociferavam, guinchavam, espancavam. Como lhes estaria facilitada a vida, se pudessem sacar de um revólver e eliminar a causa imediata do seu estado de exaltação! Muitos eram padres, que teriam adorado despachar para o Paraíso alguns daqueles imberbes moços, antes que as suas almas entrassem a pecar fortemente.
É certo que os alunos que estiverem armados também podem ripostar ou desencadear o tiroteio, como tem acontecido com aqueles que entram de surpresa e de caso pensado nas salas de aula para iniciarem um processo de morticínio. Mas, nesse caso, que belo efeito de batalha campal não poderá surgir de tal situação! Podemos imaginar o professor barricado atrás da sua secretária, disparando a sua arma simples ou o seu armamento complexo, e os alunos postados atrás das suas carteiras, premindo o gatilho das suas armas de tiro a tiro ou automáticas.
Não haverá, por certo, espectáculo mais excitante: as balas a esfuziarem, cruzando o espaço da sala de aula, o seu impacto violento nos alvos, o barulho matraqueado das armas, as paredes crivadas de buracos, o material destruído, enfim, os corpos rojando pelo chão, no meio de rios de sangue. Ao excitante da cena haverá de acrescentar-se o real da situação como um elemento de grande e vero dramatismo. Um autêntico reality show, que poderá ser avidamente fixado no seu real movimento por um qualquer desses astutos moços, recorrendo a um dos modernos maquinismos de bolso que permitem gravar cenas e eventos da realidade, para gáudio posterior de multidões de espectadores famintos de coisas autenticamente violentas. Um momento lúdico muito superior a jogos virtuais que têm a violência como elemento de refinado prazer. Eis o progresso da humanidade! Eis o futuro pedagógico das escolas, transformadas em laboratórios de exercícios bélicos com seus armeiros bem apetrechados, educando as novas gerações para a dureza da vida e os embates sérios que ela nos reserva, sem descurar o aspecto lúdico que existe na satisfação do nosso instinto de destruição e morte.
Por isso, daqui dirijo uma calorosa saudação ao muito lúcido e superior Presidente dos United States.


Jonathan Swift (1665-1745)








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