09 maio 2018
Justiça e celeridade processual
O
presidente da República tem razão, quando diz que há processos
judiciais que se eternizam e cujo desfecho será tão tardio, que não
ocorrerá nos nossos dias ou, pelo menos, que virá tão longe, que,
na altura em que tiver lugar, terá o efeito de um resultado pro
memoriam,
ou seja, apenas para ficar registado nos anais da história ou nos
arquivos dos tribunais. Estará a pensar no processo crismado com o
nome de “Operação Marquês”, pois esse é um processo com essas
características de eternização. Melhor dizendo: não é um
processo; é O Processo, designação a remeter semanticamente para o
labirinto Kafkiano. Labirinto que, neste caso, não o é só por
razões processuais, mas também por virtude da sua intrincada teia
factual. Bem poderá ficar para a história das instituições
judiciárias portuguesas como “O Processo”.
Trata-se
de um processo com características especiais, que, por isso, não
pode servir de padrão para se aferir a temporalidade média de
resolução dos processos judiciais. Não sei se a investigação,
tão alongada, poderia ter corrido mais célere, ou se o processo
poderia ter sido dividido em partes autonomizáveis, como tem
aventado muito boa gente, jurista e não jurista, sem quebra da sua
unidade intrínseca. Sei é que não é um processo como outro
qualquer. Falar de lentidão da justiça, de uma forma geral, com ele
em mente, pode não ser de bom aviso. É certo que o presidente da
República falou de outros processos, sempre sem mencionar nenhum em
especial, mas não me parece que se possa apontar assim vários
exemplos de processos mediáticos que, atendendo à sua
complexiadade, tenham demorado tanto tempo a alcançar uma decisão
em primeira instância, que foi a meta por si referida.
Se
é verdade que, em termos apriorísticos, uma justiça lenta, mais do
que o razoável, pode levar a que se façam julgamentos antecipados
na comunicação social, também se deve reconhecer que a prática
adoptada, em tempos recentes, por certos “media”, conduzindo a
julgamentos antecipados, manipulando conhecimentos e provas obtidos
directamente dos processos, passando por cima de direitos
fundamentais e de princípios estruturantes do Estado de direito
democrático, nada tem a ver com a excessiva demora dos processos
judiciais, mas sim com a tendência sensacionalista desses “media”,
a concorrência entre eles e a conquista de audiências a todo o
custo, alimentando uma das mais selváticas formas de justiça
popular.
Também
concordo que é necessário “combater” sem tréguas os designados
“crimes de colarinho branco” em geral e de corrupção, em
particular, e que isso implica uma maior celeridade nos processos,
mas temo que isso se transforme numa cruzada, a que o verbo
“combater” poderá servir de adequado mote. Sobretudo quando tal
implique mexer na Constituição e nas traves mestras do processo
penal que concretizam os seus princípios.
Se
se quer combate e rápido para proveito e exemplo, então que se
comece por cercear ou eliminar direitos e garantias criminais e,
nesse sentido,
que seja o juiz de instrução a investigar, pronunciar e julgar os
arguidos, como acontece no Brasil; que se institucionalize a inversão
do ónus da prova; que se dê satisfação a tanta ânsia de delação
(sobretudo se for premiada) e que se acabe com o princípio da
presunção de inocência do
arguido até ao trânsito em julgado da condenação.