11 abril 2018

 

A prisão de Lula

A prisão de Lula foi sem dúvida dos acontecimentos mais perturbadores e mais criadores de expectativa no seguimento de telejornais e reportagens televisivas no passado fim-de-semana. Foi penoso ver os últimos momentos em liberdade de um homem que venceu, como poucos, as condições humílimas em que nasceu e cresceu, se forjou na luta implacável, como sindicalista, contra as duríssimas condições de vida dos trabalhadores metalúrgicos e que, graças à sua tenacidade e inteligência, conseguiu chegar ao lugar cimeiro de chefe do Estado e concretizar o sonho de ascensão social, cultural e económica de muitos milhares de compatriotas seus que viviam na ausência dos mais elementares direitos humanos.
Não sei se esses aspectos excepcionais da sua personalidade e da sua acção foram devidamente levados em conta na dosagem da duríssima pena que lhe foi aplicada aos 73 anos de vida. Sei é que há fortes motivos para duvidarmos da justiça que lhe foi feita.
Na verdade, começa pelo instituo da “delação premiada”, com base no qual, a partir da delação de dois implicados na rede de corrupção a quem foram prometidos benefícios penais, se chegou à incriminação de Lula, ao que parece sem provas autónomas ou complementares, como tem sido referido. Ressalvando, porém, o exagero ou deficiente informação que possa haver em tal afirmação, o certo é que os acordos de delação premiada com base nos quais tem sido desenvolvido o processo “Lava Jato”, firmados numa dada interpretação, respaldada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da Lei n.º 12.850/13 -, não respeitam as acrescidas exigências, nem o rigor requerido na verificação de pressupostos materiais e processuais destinados a debelar os perigos que um tal meio de obtenção de prova comporta para os direitos fundamentais da pessoa visada pela delação.
Essa parece ser a conclusão a retirar de um estudo da autoria de Gomes Canotilho e Nuno Brandão, eminentes professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, aquele da área constitucional e este, da área criminal, estudo intitulado «Colaboração premiada e auxílio judiciário em matéria penal: a ordem pública como obstáculo à cooperação com a operação Lava Jato», publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência n.º 4000, Ano 146º (SET/OUT de 2016). Nesse estudo, cujo título é amplamente elucidativo, os AA. defendem que a jurisdição portuguesa não deve prestar colaboração a pedidos feitos pelas autoridades brasileiras no âmbito da operação Lava Jato, - «Uma colaboração que, deste modo, representaria uma clara e directa ofensa ao princípio da ordem pública pelo qual se deve pautar a cooperação judiciária em matéria penal oferecida pelo Estado português (art. 2.º da Lei n.º 144/99); e ofensa essa que constitui fundamento de recusa de cooperação nos termos do art. 3.º, n.º 1, e) da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.»
Acresce que a condenação fulgurante de Lula foi obtida a partir de um julgamento ultra-rápido realizado pelo próprio juiz – Sérgio Moro – que conduziu a investigação criminal e fez a acusação, algo que é inconcebível no nosso sistema processual penal e que atenta contra as garantias de independência e imparcialidade do tribunal, garantias essas consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de Dezembro de 1948 e em outros diplomas internacionais.
Um outro motivo que merece reparo é a execução da pena antes do trânsito em julgado da condenação contra o que dispõe taxativamente a Constituição brasileira, idêntica nesse aspecto à nossa. Bem sei que essa é a jurisprudência do STF desde 2016 – jurisprudência que foi reiterada há dias precisamente a propósito do caso Lula por uma maioria de 6 contra 5, em que coube à presidente o voto de desempate, não obstante ter, ao que parece, posição contrária à que expressou no seu voto, o qual se justificaria por uma questão de respeito para com a referida jurisprudência, antes de uma reponderação desta, que deverá ocorrer em breve. Seja como for, independentemente das razões que levaram o tribunal a assim decidir, não sei como se possa falar em cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da condenação, isto é, antes de ela se tornar firme e indiscutível. Só se for um cumprimento provisório e sujeito a uma espécie de condição de resolução, no caso de sobrevir uma decisão definitiva que ponha em causa a condenação.

Por último refira-se o indesejável protagonismo de certos magistrados, quer do Ministério Público, quer da carreira judicial, um protagonismo que foi reconhecido pelo juiz do STF Gilmar Mendes na entrevista que, na passagem por Lisboa, concedeu ao Expresso de sábado passado, e que (conclusão minha) parece inquinar parte do sistema judiciário. Esse protagonismo tem sido visível em certas atitudes e declarações públicas de magistrados que parecem ter a ideia de que o poder judicial tem uma missão redentora a levar a cabo.





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