03 fevereiro 2019
Do engenho dos políticos actuais
Onde
se fala do virtuosismo de muitos dos nossos políticos
Cousa
assaz nobre na nossa vivência colectiva é a forma verdadeiramente
heroica com que muitos dos nossos políticos se entregam à defesa do
seu ideário e do conjunto de valores que entendem dever nortear os
destinos da nossa Pátria e fomentar a felicidade do nosso povo. Na
verdade, eles não se poupam a esforços e sacrifícios, correndo de
um lado para o outro, farejando desgraças e misérias, denunciando
injustiças e prepotências, fustigando desatenções e atropelos,
identificando-se com os que sofrem, pondo a alma de luto pelos que
morrem, suportando banhos de multidões, gastando saliva em beijos
sem fim e cansando os braços em amplexos incontáveis, tudo num
inexcedível amor ao povo. Mormente em épocas em que vão a votos,
sacrificam-se em extremo e às suas famílias, mal comendo, mal
dormindo, correndo o país de lés-a-lés, levando a palavra e o
conforto das suas pessoas às mais recônditas paragens, lugares por
onde Cristo não passou com a sua boa nova e o seu amor universal.
Fazem-no, evidentemente, pelo desejo de se tornarem úteis, por uma
inexcedívl devoção à causa comum. Nisso estou em desacordo com o
que muitos detractores propalam, dizendo que esses calcorreadores
incansáveis almejam é o poder e as benesses que ele propicia e,
quanto ao mais, não querem saber da sorte do povo para nada.
A
uma tal concepção contraponho eu a esses detractores se estariam
dispostos a tantos e tão variados sacrifícios, como os que acima
aponto, a mero título de exemplo, para se alçarem a cargos de
grande responsabilidade e continuarem por essa via a desgastarem-se,
a contraírem rugas precoces e prematuros cabelos brancos.
Acresce
que esses nossos representantes sujeitam-se a provas não só
duríssimas, como até, por vezes, um tanto rasteiras e comportando
risco de parecerem fazer figuras ridículas. Um deles ficou até
conhecido como Joãozinho das feiras, por andar de feira em feira,
falando com este e com aquele, agora com um toucinheiro e comendo uma
talisca de chouriço ou de presunto, logo com uma peixeira e
perguntando o preço do carapau e da faneca, mais além com um
vendedor de gado e dando uma palmada no lombo de uma vaca.
Outro
dos nossos políticos andou à boleia pelas estradas, percorrendo o
país de lés-a-lés em variados meios de transporte e conversando
com quem lhe dava boleia sobre o incómodo de andar por más
estradas, pois as boas, de primeira categoria, ficam caras a quem as
utiliza, por se ter de pagar portagens onerosas. Em cada paragem que
efectuava para mudar de transporte, tinha numerosos grupos de pessoas
que pretendiam inteirar-se da inédita situação e festejar o arrojo
desse políiico, que trocara os gabinetes alcatifados da capital pelo
contacto directo e rude com quem tem de arrostar com penosas viagens
de trabalho. Também os homens das gazetas o aguardavam nos diversos
sítios para fazerem as suas reportagens e difundirem a longa e
tormentosa viagem pelos meios de comunicação mais abrangentes.
Deste modo, o referido político aumentou o seu cabedal popular, do
mesmo passo que forjou mais uma curiosa forma de contactar com o
povo.
Uma
senhora política concorreu a um concurso popular de cozinha e,
diante de um público numeroso, fez prova das suas expeditas
habilidades culinárias, provando que uma boa política não difere
muito de uma boa cozinheira, podendo satisfazer com graça e
elegãncia feminina o enorme apetite popular.
Estes
exemplos bastam para mostrar que um político que queira realmente
vencer o problema moderno da visibilidade e ter uma aproximação,
como direi?…, vamos a um adjectivo bem na moda, uma aproximação
empática com o povo, demonstrando assim o quanto o preza e
quer a sua felicidade, tem de sujeitr-se a provas que não são para
todos. É preciso ter endurance e, por vezes, capacidade
histriónica.
Quantos
de vós, leitores, estariam na disposição de, por amor ao povo,
submeter-se a provas deste jaez? Quantos de vós se sentiriam aptos a
exibições públicas deste quilate? Haverá alguma benesse, que não
seja a desinteressada devoção ao bem comum, que compense esta tão
tormentosa necessidade de “dar nas vistas”?
Pois,
amigos leitores, pensem bem nisto e, se acaso eu não tiver razão,
desde já vos dou licença de puxarem as orelhas a este vosso
Criado
que
assina
Jonathan
Swift
(1665-1745)