03 julho 2019
António Hespanha
Faleceu
António Manuel Hespanha. Era um tipo bem disposto, cheiinho, alegre,
inteligente, a estuar de vida, de olhos bem espetados no interlocutor
e, sobretudo, um académico reputado. Lembro-me dele, recém-formado
e já assistente da Faculdade de Direito de Coimbra, de passo
apressado pela Via Latina, a pasta na mão. Mas onde eu tive
oportunidade de o conhecer não foi em Coimbra; foi em Lisboa, no
pós-25 de Abril. Ele tinha sido nomeado Director-Geral do Ensino
Superior, sendo ministro da Educação Eduardo Correia e Secretário
de Estado Avelãs Nunes. Eu tinha acabado o 2.º ciclo de instrução
em Mafra (atirador de Infantaria) e estava de licença à espera de
colocação no Lumiar, já aspirante, na sequência de
reclassificação para a especialidade que me era devida – a de
Licenciado em Direito.
Alguém,
sabendo da minha situação de licença, indicou o meu nome ao
Secretário de Estado para fazer um inquérito aos Serviços
Médico-Sociais Universitários de Lisboa, e o Secretário de Estado,
após uma entrevista, nomeou-me. Esses serviços eram uma amostra de
como funcionava a Administração no tempo da ditadura: um director
todo-poderoso (um tal Bruto da Costa, que tinha sido professor da
Faculdade de Medicina) e sua mulher, enfermeira, superintendo ambos
com mão-de-ferro e total arbítrio em médicos e enfermeiras, como
se fossem patrão e patroa a superintender em casa própria, viajando
ambos em carro oficial com motorista às ordens; um ambiente de medo
e de submissão, de intriga e de maledicência; total ausência de
regras na admissão e despedimento do pessoal, em suma, um microcosmo
do nosso fascismo caseiro.
Foi
no curso da realização desse inquérito que tive oportunidade de
privar com o Hespanha, dirigindo-me frequentemente ao Ministério e
conferenciando com ele. Três meses de convívio, que foi o tempo que
durou a licença militar, até ser chamado para o Lumiar, e mais umas
fugas para acabar o inquérito, entre Outubro e Fevereiro, que foi
quando fui mobilizado para Luanda, em plena efervescência de 1975,
já como licenciado em Direito (isto é, com a especialidade militar
de licenciatura em Direito), onde fui servir na Chefia de Justiça,
dependente do Quartel General, até às vésperas da independência.
Um convívio frutífero e de que conservo gratas recordações. Só
tenho pena é de não conhecer muito bem a obra dele, que sei ser de
grande importância, mas não directamente relacionada com o trabalho
que sempre foi o meu, pois mais ligada à história das instituições
(jurídicas e não só). Apesar disso, li com prazer partes de alguns
escritos seus, nomeadamente da História
das Instituições – Épocas Medieval e Moderna.
A
sua morte provocou-me tristeza e uma recordação melancólica desses
tempos passados.