01 maio 2019
A fronteira dos interesses
A
Lei de Bases da Saúde é mesmo a lei onde se espelham as opções
político-ideológicas fundamentais a respeito de um dos sectores
básicos da organização social e do posicionamento de interesses
conflituantes. Por isso
mesmo é que ela divide e traça uma fronteira entre os partidos,
pondo mais a nu a ideologia que eles defendem ou, se quisermos, os
interesses que eles prosseguem. Os
partidos mais à direita com a sua tendência para a defesa dos
interesses privados, ou seja, da mercantilização da saúde; os
partidos mais à esquerda, batendo-se pela valorização da esfera
pública, ou seja, pela acentuação do carácter público dos
serviços prestadores de
saúde, interligando-se num verdadeiro serviço nacional de saúde.
Com
isto se liga a questão da
imiscuição mais ou menos acentuada do negócio privado na esfera
pública da gestão e prestação dos serviços de saúde, que tanto
se tem discutido ultimamente. A questão de haver serviços de saúde
inteiramente privados ao lado do serviço nacional de saúde,
regendo-se pelas regras próprias do mercado, não está nem nunca
esteve em causa. O que releva para esta discussão é apenas a
referida questão de imiscuição dos serviços privados na esfera
pública, em regime mais ou menos encapotado de concorrência e
colisão, abastardando a
concretização
do
direito fundamental de todos os cidadãos a esse bem básico que é a
saúde.
O
PS parece
ultimamente pender para uma cedência às pressões que vêm de
sectores mais ligados à defesa dos interesses privados na questão
da saúde, pressões que vêm de fora e de dentro do partido e de
entidades institucionais, como o presidente da República. Isto
numa linha que parece de recuo às posições anteriormente
defendidas pelo seu secretário-geral e primeiro-ministro. Daí que
uma quantidade de personalidades da vida portuguesa se tenha alarmado
e manifestado publicamente as suas apreensões. É que esta é uma
questão que, como disse no início, define uma fronteira. Uma
fronteira em que o PS vai ser obrigado a dizer qual é exactamente o
lado em que se coloca e se segue ou não o legado do insigne
socialista que foi o criador do Serviço Nacional de Saúde.