08 maio 2019

 

Os descarados jogos partidários


A semana que passou deu-nos uma imagem deprimente de certa maneira de fazer política. Os partidos situados mais à direita no hemiciclo parlamentar votaram favoravelmente a proposta de um deles – o CDS – para recuperação de todo o tempo de serviço de congelamento da carreira dos professores e que estes têm vindo insistentemente a reclamar ao longo destes últimos dois anos do actual governo. Por seu turno, os partidos mais à esquerda (PCP e BE) abstiveram-se e a proposta foi aprovada, derrotando o PS.
Na sequência disso, o governo veio apresentar a sua demissão, depois de um conselho de ministros reunido de urgência durante algumas horas e logo publicitado na comunicação social com o habitual chorrilho de comentários, palpites e construção de diversos cenários.
O anúncio da demissão do governo caiu como uma bomba e lançou a confusão. O governo não podia aceitar uma deliberação da Assembleia que, contrariando a posição que sempre defendeu de não acolher a pretensão dos professores de contagem de todo o tempo congelado, implicava um aumento da despesa de oitocentos milhões de euros por espaço de 7 anos, vinculando os governos futuros e acarretando reivindicações idênticas por parte de diversos sectores da administração pública. Tinha de ser o eleitorado a decidir. Foi esse o pretexto para a demissão, sublinhado com ênfase de escândalo.
Ora, os partidos da direita deram uma grande mostra de irresponsabilidade e de oportunismo, sobretudo se considerarmos que a deliberação se situa nos antípodas da política e da doutrina do governo anterior, formado exactamente por esses partidos, e que tal deliberação foi tomada sem consideração alguma pelos gastos que poderia implicar para o erário público, pelo princípio da igualdade em relação aos restantes funcionários da administração pública e pela consequência de amarração de futuros governos. O que os moveu foi pura e simplesmente a caça ao voto, querendo captar a simpatia de uma classe profissional pela qual não morrem de amores e que, em princípio, seria mais próxima dos partidos da esquerda, incluindo o próprio PS.
A prova provada dessa irresponsabilidade e desse oportunismo está na viragem espectacular que esses partidos passaram a adoptar, depois do anúncio da demissão do governo e da sua bem sucedida mensagem.
Já os partidos à esquerda do PS limitaram-se a deixar passar uma medida que sempre defenderam. Nisso também tem razão o governo, que, todavia, pretende com tal ressalva “passar a mão pelo lombo” desses partidos que têm sustentado a governação e não criar uma animosidade em relação a eles, que poderia ser fatal.
Diga-se, todavia, que também da parte do governo há encenação e exagero, pelo menos ao que nos é dado observar ou intuir. Ou seja, na anunciada demissão também há uma parte de aproveitamento, de dramatização forçada e de exploração das circunstâncias. Nem tudo corresponderá a cem por cento de transparência e de frontalidade. Os números que foram avançados e que corresponderão aos gastos que seriam originados pela aprovação da medida deixam dúvidas quanto à sua exactidão, dúvidas que ganham alguma consistência com outros cálculos mais pormenorizados que têm sido avançados. E, por outro lado, parece óbvio que se pretendeu apanhar a maré tão inesperadamente criada pelos partidos à direita do espectro partidário para atrair sectores do eleitorado e aumentar a vantagem do PS, rumo a uma mais folgada margem de decisão e autonomia.
Por outras palavras, nem tudo será limpidez e lisura, mas também jogo, truque e táctica, ou seja, os esquemas da velha política.





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