05 junho 2019

 

Ainda a propósito de Agustina





Vou-me lembrando de Agustina. Assim, por exemplo, não há dúvida de que Agustina é um portento, quer pela força com que irrompeu no universo literário, quer pela sua brilhante e surpreendente intelectualidade, desenvolvida à margem de currículos académicos, quer ainda pela sua afirmação autónoma, destemida e iconoclasta como mulher. António José Saraiva qualifica a sua desmesura como milagre, afirmando que foi, «depois de Fernando Pessoa, o segundo milagre do século XX português» (Iniciação Na Literatura Portuguesa, Gradiva).

Agustina é uma personalidade do Porto, constituindo com Camilo o par mais brilhante das letras nacionais que adoptou a cidade do Porto como a do núcleo central da sua vida. Eu, que não me considero bairrista e que detesto uma certa automitificação portuense, que tem como correlato uma espécie de ressentimento pela perda da centralidade histórica da cidade nortenha, gosto da vinculação ao Porto desses dois vultos maiores da nossa literatura, ainda que não fosse sempre isenta de desamor, ao menos no caso de Camilo, essa vinculação.

Nas minhas vagabundagens pela cidade, algumas vezes subi as célebres escadas do Gólgota, ao cimo das quais se encontra a mansão, que dizem ter sido de ingleses, onde residiu Agustina. Então gostava de imaginar que, para além daqueles muros, a velha senhora (porque já o era em termos de idade) se entregava ao seu labor, fitando por uma janela o jardim interior quando precisava de encontrar o termo mais adequado ou aprimorar o lance de uma cena.





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