19 agosto 2019
A rendição dos motoristas de transporte de substâncias perigosas
De
facto o Dr. Pardal está num dilema. Ele tinha garantido que a greve
poderia durar nem que fosse um ano, mas era previsível que ela
tivesse de acabar dentro de pouco tempo. Por um lado, o Dr. Pardal
poderia, por ele, ameaçar com uma greve ad aeternum, porque
nem sequer é motorista e a greve não lhe mexe directamente com a
carteira. Pode frustrar-lhe outros objectivos, mas não lhe acarreta
sacrifício directo e imediato. Para quem é motorista e aderiu à
greve é que a mesma poderia afectar seriamente o seu dia-a-dia, no
caso de ela se prolongar por muito tempo.
Por
outro lado, era previsível que a greve tivesse de terminar um dia
destes devido à grande percentagem de serviços mínimos fixada pelo
governo, que em certos casos atingiu a totalidade, ou seja 100%, e a
enorme pressão que se fez desencadear sobre os trabalhadores em
greve, quer por parte das entidades oficiais, quer por parte dos
patrões, identificados com o interesse nacional, quer ainda da
comunicação social. O isolamento desses trabalhadores era, assim,
um caminho mais do que viável e foi uma técnica empregue
persistentemente desde o início por uns e por outros, a que se
juntou, não sei se com esse objectivo ou não, o aparecimento
sistemático do representante da Fectrans na televisão, alardeando o
êxito das negociações que manteve com a entidade patronal, à
margem da greve, e servindo, pelo menos instrumentalmente, a aludida
técnica de isolamento. Os trabalhadores que agora suspenderam a
greve é que podem ter sido os maiores ludibriados e, no fim, poderão
ter ganho uma acumulação de frustração. É a paga do seu mau
comportamento, por terem ousado escapar dos controlos institucionais
conhecidos.
Temo
que o direito à greve saia desta experiência muito mais debilitado,
mesmo sem se alterar a lei em vigor. É que podem governos futuros
sentirem-se autorizados a intervirem em qualquer greve, sobretudo a
pretexto da defesa do interesse nacional, adoptando medidas que, na
prática, podem asfixiá-lo. Há indícios nesse sentido. Se um
governo PS, sustentado no hemiciclo por partidos à sua esquerda,
pôde tomar medidas geralmente consideradas “musculadas”,
imagine-se o que não poderá ser com um governo mais à direita.