04 dezembro 2005
Iraque: nova estratégia para a vitória, mais um passo para a derrota?
E então como vamos de democracia no Iraque?
Aparentemente tem avançado a institucionalização de um "Estado de direito", com a elaboração da Constituição, a sua aprovação por referendo e a próxima realização de eleições legislativas.
Mas tudo isso é falso, tudo é falso desde o princípio nesta guerra. Todo o processo político-legislativo em curso visa não mais do que legitimar a invasão e ocupação estrangeira e, subsequentemente, fazer do Iraque um protectorado dos EUA (na linguagem oficial americana: "um parceiro a corpo inteiro na guerra global contra o terrorismo" - a linguagem oficial, sobretudo a norte-americana, tem sempre que ser traduzida para linguagem comum).
A constituição "aprovada" só muito formalmente é democrática: divide o país em regiões, estimulando as divisões étnico-religiosas (e enfraquecendo-o enquanto entidade nacional face aos vizinhos e aos "protectores") e admite como "lei suprema" a "sharia", o que é um óbvio retrocesso num país que era laico.
Mas o pior de tudo é a situação que o país vive, e que não pára de agravar-se. A resistência popular à invasão surpreendeu tudo e todos e sobretudo os invasores, que parece que acreditaram na sua própria propaganda de que o povo iraquiano os iria receber de braços abertos (os mentirosos incorrigíveis acabam por acreditar nas suas próprias mentiras!). No dia em que Bush declarou terminadas as operações de guerra, no mesmo dia o povo iraquiano parece ter declarado implícita ou clandestinamente o início da resistência popular à ocupação. A resistência é muito variada, de tendências muito diferentes, mas é inquestionável que dispõe de um imenso apoio popular, sem o qual era completamente impossível a frequência diária de ataques às tropas invasoras e ao exército "iraquiano". É completamente ilegítimo falar de "terrorismo" a propósito da resistência em geral. Há efectivamente actos que se podem qualificar como tal, mas cometidos por grupos extremistas e que se suspeita serem constituídos por estrangeiros (os que se opuseram à guerra tinham advertido que a invasão iria estimular o terrorismo islâmico). Aliás, é a própria polícia iraquiana que suspeita que alguns crimes que suscitam mais repulsa, como os sequestros de estrangeiros, nada têm a ver com a resistência, pois serão cometidos por criminosos comuns. A resistência armada à ocupação estrangeira, uma ocupação feita à revelia do direito e das instituições internacionais e da opinião pública mundial, é absolutamente legítima, e aliás reconhecida em termos gerais pelo direito internacional e pela Constituição portuguesa (art. 7º, nº 3).
A dimensão e a intensidade da resistência tem levado a sucessivas correcções da estratégia americana e agora foi anunciada com pompa e circunstância uma nova estratégia para a vitória no Iraque: em suma, trata-se de tentar a "iraquização" do conflito, ou seja, que sejam os próprios iraquianos a fazer a guerra por conta do invasor. É que o governo dos EUA agora quer sair o mais depressa possível, porque a guerra já não é popular (já há mortos e dólares gastos a mais) e há eleições para o ano. Só que os EUA não podem sair de qualquer maneira, porque isso seria perigoso para a credibilidade do "Império". Perante este dilema - ter de sair, mas não poder sair - a administração Bush vem tentando a todo o custo "delegar" a guerra (mais um caso de "outsourcing").
Mas essa estratégia não tem tido qualquer sucesso e não parece que o possa vir a ter. As forças de segurança e militares montadas à pressa pelos americanos não têm credibilidade junto da população, precisamente por serem colaboradores dos ocupantes e, sem estes, não têm qualquer eficácia operacional. O mais que conseguem é fazer o trabalho mais sujo (constituição de milícias secretas, esquadrões da morte e centros de tortura), o que já levou Allawi, o primeiro homem de confiança dos americanos a dizer que a situação é agora pior do que nos tempos de Saddam Hussein.
Uma tese muito difundida, e com aparente razoabilidade, é a de que a saída dos EUA e da Grã-Bretanha seria o pior que poderia acontecer ao Iraque, porque seria o caos, a guerra civil, etc. Não sou dessa opinião. Entendo que a ocupação estrangeira é que é a causadora do caos e o seu fim é a primeira condição da pacificação. A ocupação motiva a resistência e impede a negociação, estimula o extremismo e dificulta os consensos, dá força ao islamismo em detrimento das correntes laicas e progressistas. A ocupação provoca um conflito sem fim à vista que vai minando recursos e vidas, empenhando o futuro das novas gerações. Só o fim da ocupação poderá abrir as portas às negociações e aos consensos entre os iraquianos, pois são eles que têm de decidir do seu futuro, não é verdade?
Aparentemente tem avançado a institucionalização de um "Estado de direito", com a elaboração da Constituição, a sua aprovação por referendo e a próxima realização de eleições legislativas.
Mas tudo isso é falso, tudo é falso desde o princípio nesta guerra. Todo o processo político-legislativo em curso visa não mais do que legitimar a invasão e ocupação estrangeira e, subsequentemente, fazer do Iraque um protectorado dos EUA (na linguagem oficial americana: "um parceiro a corpo inteiro na guerra global contra o terrorismo" - a linguagem oficial, sobretudo a norte-americana, tem sempre que ser traduzida para linguagem comum).
A constituição "aprovada" só muito formalmente é democrática: divide o país em regiões, estimulando as divisões étnico-religiosas (e enfraquecendo-o enquanto entidade nacional face aos vizinhos e aos "protectores") e admite como "lei suprema" a "sharia", o que é um óbvio retrocesso num país que era laico.
Mas o pior de tudo é a situação que o país vive, e que não pára de agravar-se. A resistência popular à invasão surpreendeu tudo e todos e sobretudo os invasores, que parece que acreditaram na sua própria propaganda de que o povo iraquiano os iria receber de braços abertos (os mentirosos incorrigíveis acabam por acreditar nas suas próprias mentiras!). No dia em que Bush declarou terminadas as operações de guerra, no mesmo dia o povo iraquiano parece ter declarado implícita ou clandestinamente o início da resistência popular à ocupação. A resistência é muito variada, de tendências muito diferentes, mas é inquestionável que dispõe de um imenso apoio popular, sem o qual era completamente impossível a frequência diária de ataques às tropas invasoras e ao exército "iraquiano". É completamente ilegítimo falar de "terrorismo" a propósito da resistência em geral. Há efectivamente actos que se podem qualificar como tal, mas cometidos por grupos extremistas e que se suspeita serem constituídos por estrangeiros (os que se opuseram à guerra tinham advertido que a invasão iria estimular o terrorismo islâmico). Aliás, é a própria polícia iraquiana que suspeita que alguns crimes que suscitam mais repulsa, como os sequestros de estrangeiros, nada têm a ver com a resistência, pois serão cometidos por criminosos comuns. A resistência armada à ocupação estrangeira, uma ocupação feita à revelia do direito e das instituições internacionais e da opinião pública mundial, é absolutamente legítima, e aliás reconhecida em termos gerais pelo direito internacional e pela Constituição portuguesa (art. 7º, nº 3).
A dimensão e a intensidade da resistência tem levado a sucessivas correcções da estratégia americana e agora foi anunciada com pompa e circunstância uma nova estratégia para a vitória no Iraque: em suma, trata-se de tentar a "iraquização" do conflito, ou seja, que sejam os próprios iraquianos a fazer a guerra por conta do invasor. É que o governo dos EUA agora quer sair o mais depressa possível, porque a guerra já não é popular (já há mortos e dólares gastos a mais) e há eleições para o ano. Só que os EUA não podem sair de qualquer maneira, porque isso seria perigoso para a credibilidade do "Império". Perante este dilema - ter de sair, mas não poder sair - a administração Bush vem tentando a todo o custo "delegar" a guerra (mais um caso de "outsourcing").
Mas essa estratégia não tem tido qualquer sucesso e não parece que o possa vir a ter. As forças de segurança e militares montadas à pressa pelos americanos não têm credibilidade junto da população, precisamente por serem colaboradores dos ocupantes e, sem estes, não têm qualquer eficácia operacional. O mais que conseguem é fazer o trabalho mais sujo (constituição de milícias secretas, esquadrões da morte e centros de tortura), o que já levou Allawi, o primeiro homem de confiança dos americanos a dizer que a situação é agora pior do que nos tempos de Saddam Hussein.
Uma tese muito difundida, e com aparente razoabilidade, é a de que a saída dos EUA e da Grã-Bretanha seria o pior que poderia acontecer ao Iraque, porque seria o caos, a guerra civil, etc. Não sou dessa opinião. Entendo que a ocupação estrangeira é que é a causadora do caos e o seu fim é a primeira condição da pacificação. A ocupação motiva a resistência e impede a negociação, estimula o extremismo e dificulta os consensos, dá força ao islamismo em detrimento das correntes laicas e progressistas. A ocupação provoca um conflito sem fim à vista que vai minando recursos e vidas, empenhando o futuro das novas gerações. Só o fim da ocupação poderá abrir as portas às negociações e aos consensos entre os iraquianos, pois são eles que têm de decidir do seu futuro, não é verdade?