01 fevereiro 2006

 

Ainda a prostituição

O texto do dr. Pedro Vaz Patto obriga-me a uma resposta e é com muito gosto que o faço, porque é com o debate esclarecido que se esboçam soluções para os problemas.
No caso, trata-se de um problema sem solução à vista e por isso é preciso tratá-lo com muita cautela. Repudio em absoluto a ideia que legalizar a prostituição é "desistir", é considerá-la uma "fatalidade". Será assim onde constituir uma medida isolada, desacompanhada de intervenções de ordem social e concebida essencialmente como fonte de receitas, como indústria.
Não é essa obviamente a minha perspectiva, não é essa a política holandesa. A legalização, entendo-a como redução de danos (importo para aqui este conceito utilizado no mundo das drogas), isto é, como forma de minimizar os perigos, os riscos e os danos que a prática da prostituição produz necessariamente às (e aos) prostituta(o)s, aos "utentes" e à população em geral. E sempre no quadro de uma política social mais ampla, que circunscreva e reduza sempre o problema o mais possível, e que eduque para uma sexualidade livre e responsável.
Mas infelizmente a solução não é para amanhã nem para depois de amanhã.
Mas vejamos o que se passa na Holanda. A legalização da prostituição não impede o Estado nem a sociedade civil de "lutarem" o mais possível contra ela, por paradoxal que aparentemente isso pareça! Quer no plano da segurança social (Estado), quer no da solidariedade humana, prestada por associações laicas e religiosas (protestantes e católicas). Pessoalmente, tive oportunidade de visitar um centro católico de apoio a prostitutas. Era um grande barracão situado numa das zonas de exercício de prostituição. Tinha uma sala aquecida, um pequeno bar, sanitários. As prostitutas podiam vir ali aquecer-se, tomar uma bebida, descansar, conviver um pouco. Este apoio nocturno era complementado, se e quando as prostitutas quisessem, com assistência social, jurídica, etc., pela associação durante o dia e em local diverso. Não lhes pregavam moral, não as forçavam a entrar no "bom caminho": ajudavam-nas simplesmente, no que elas pediam, no que elas diziam precisar! Isto é que é solidariedade humana! Que diferença entre o catolicismo de lá e o de cá (desculpem-me os católicos de cá)!
Por maioria de razão me parece absurda, contraproducente e mesmo inconstitucional a "solução sueca". Remeto para o texto da Carmo Silva Dias de anteontem. O direito penal não é chamado para um problema destes. As demandas de criminalização nesta matéria defrontam-se irremediavelmente com o obstáculo da ausência de lesão de um bem jurídico. Estou a falar obviamente da prostituição de maiores e fora de situações de exploração ou tráfico. O direito penal, como tem sido dito e repetido por Figueiredo Dias, desde 1976, não é uma instância moral. Vale a pena ler, a este propósito, as considerações de J-M Silva Sánchez, La expansión del Derecho penal, 1ª ed., Civitas, pp. 46-55 (e desculpem a erudição!).
Por último, a questão da liberdade e da escravatura. Devo dizer que este termo é completamente desaquado à relação de prostituição. Esta baseia-se num contrato, livremente assumido pelas duas partes. Mas o escravo não contratava trabalhar para o seu senhor; era uma coisa sua, era objecto de um direito real. Fora violentamente degradado para tal situação, que não podia voluntariamente abandonar. Não brinquemos, pois, com as palavras.
É possível que 90 por cento ou mais das prostitutas, se pudessem, escolheriam outra profissão. Mas é igualmente possível que a grande maioria das pessoas, se pudessem, mudariam também de profissão. Se fosse para melhor.
Termino. Se na relação de prostituição se vende o corpo, noutras situações há quem venda a liberdade e há mesmo quem venda a alma. Tudo isso é eticamente condenável. Mas apenas eticamente. O direito não entra aí.
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