31 janeiro 2006

 

Política criminal: uma dita lei-quadro foi aprovada, e agora?

Depois da aprovação em plenário da «Lei-Quadro da Política Criminal», apresentada como matricial, impõe-se uma mais aguda atenção crítica sobre as diversas vertentes da definição e execução da política criminal e responsabilidades envolvidas mesmo que relativas a «minudências» como as aqui tratadas...
Para rematar a chaga dos meus postais anteriores à aprovação, algumas notas finais sobre o cenário (jurídico) pós lei-quadro:

- Como já se destacou aqui, no plano jurídico-constitucional e funcional-institucional na nossa ordem jurídica não existe (não pode existir) autonomia dos órgãos de polícia criminal, o que é preciso determinar é a medida e âmbito da sua dependência relativamente ao Governo, por um lado, e relativamente às autoridades judiciárias (em particular ao Ministério Público), por outro.
Um modelo em que quem tem de vir prestar contas sobre a investigação criminal é o Ministério Público, reservando-se os relatórios governamentais «à prevenção criminal e à execução de penas», exige que se acentue e efective a dependência funcional dos órgãos de polícia criminal relativamente ao órgão constitucional que vai ter de assumir no parlamento e perante a comunidade a responsabilidade pela investigação criminal - e, por seu turno, esta entidade tem a obrigação de assumir (e dar notícia de) todos os entorses sofridos na tripla vertente da acção penal, sua preparação, exercício e sustentação.

- A dimensão política da acção penal e o alargamento da sua fronteira tem tudo a ver com a competência dos tribunais judiciais, com o quadro da sua intervenção, mesmo que se reconheça que «Não assumindo força obrigatória geral, a resolução sobre objectivos, prioridades e orientações de política criminal não põe em causa, de forma directa ou indirecta, a independência dos tribunais, decorrente do princípio da separação e interdependência de poderes, e a sua exclusiva subordinação à lei». Pois como também aí se refere os institutos de diversão «dependem sempre da iniciativa das autoridades judiciárias e requerem uma avaliação casuística, embora sujeita a critérios gerais (para respeitar o princípio da igualdade), sobre o exercício do poder punitivo».
Agora é insofismável que por esta via, ainda que de forma indirecta (se se preferir essa formulação retórica), fixa-se um quadro competência ou legítima intervenção judicial, já que o controlo das funções do Ministério Público que em termos epistemológicos não obedecem a uma matriz judiciária mas a uma motivação política (expressa nas resoluções), deverá ser efectivado por órgãos democraticamente legitimados e não por órgãos judiciais (no caso através dos relatórios à Assembleia da República).
Concretizando, se forem legítimas as resoluções parlamentares (mesmo que incorrectas nas suas opções) não é legítima a recusa judicial relativamente às iniciativas ou decisões do MP, fundada na divergência sobre a bondade das resoluções que lhes estão na base (que não podem ser sindicadas judicialmente na sua dimensão política).

- Na nota justificativa da proposta de lei-quadro da política criminal referiu-se, a dado passo, que «não há legislação a alterar ou revogar, embora se admita que a experiência resultante da aplicação das futuras resoluções da política criminal possa vir a suscitar a necessidade de adaptação do Estatuto do Ministério Público [...]». Este é um tema que urge reavaliar em face da Lei-Quadro, em momento prévio à «experiência» da sua aplicação, e muito para além da lei-quadro pois o estatuto constitucional do Ministério Público (que logicamente não se deve por alterar d euma lei que diz ser a melhor via para a respectiva concretização) adequa-se a outros modelos normativos de funcionamento e organização (aliás a lei de 1998 introduziu alterações irrelevantes em termos em termos de gestão de recursos humanos que são o núcleo da magistratura do MP).
Quanto à lei-quadro, é importante ter presente (o que não parece acontecer) a distinção das responsabilidades políticas do procurador-geral da República (enquanto elemento cimeiro da estrutura funcional) e do Conselho Superior do Ministério Público (órgão colegial que tem as competências de gestão e organização), pelo que o primeiro apenas tem de prestar contas na medida dos seus poderes não tem de prestar contas por aquilo que o Conselho decide, em processos em que, eventualmente, até foi vencido (para não falar da indispensável autonomia funcional dos magistrados que decidem nos processos).


PS- Este comentário é ainda de ordem jurídica, o que não obsta a que se considere que existem sinais muito mais importantes do que as leis produzidas, ou dito de outra forma expressões reveladoras (pela pessoa dos seus autores ou pela recepção que têm em certos meios) de uma determinada cultura, relativamente à política criminal ou, pelo menos, às relações entre política e crime. Vejam-se as recentes iniciativas de Jorge Coelho, e do agora popular Duarte Lima, sendo certo que os aplausos a este último não são beliscados por aqueles que se preocupam com minudências como o José da GLQL e o Eduardo Dâmaso - aliás será certamente uma coincidência que dois dos deputados que se destacaram no júbilo tumultuoso, Ana Drago e Ricardo Rodrigues, tivessem na sexta-feira anterior o seu momento de maior destaque jurídico, numa audição parlamentar a um sr. procurador-geral da República sobre um processo judicial que anteriormente tinha gerado outro júbilo não menos tumultuoso, na mesma Casa (então de satisfação com uma decisão judicial... concreta).

Aditamento a PS- o deputado Ricardo Rodrigues teve no mesmo curto período de tempo um outro momento de grande destaque jurídico, na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso Eurominas (embora aqui com uma preocupação maior na celeridade processual do que a revelada no procedimento de audição que decorreu na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias).





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